Direitos transindividuais: uma análise dos conceitos utilizados pelo
Código de Defesa do Consumidor
Publicado em 04/2012. Elaborado em 03/2012.
Sumário: 1. Espécies de Direitos Transindividuais. 2.1. Direito Difuso.
2.2. Direito Coletivo em Sentido Estrito. 2.3. Direitos Individuais Homogêneos.
1.2. ESPÉCIES DE DIREITOS METAINDIVIDUAIS
O Código de Defesa do Consumidor possui, dentre as suas grandes
características, o mérito e importância de ter definido, de forma objetiva, os
chamados direitos transindividuais, tema do direito tão controvertido à época
da publicação do referido código (anos 1990). A Lei nº 8.078/90 distinguiu os
direitos metaindividuais entre Direitos Difusos, Direitos Coletivos e Direitos
Individuais Homogêneos.
Para tanto, Elpídio Donizetti e Marcelo Cerqueira afirmam que a
classificação dos Direitos Coletivos adotada pelo CDC se utiliza dos seguintes
critérios: Titularidade, Divisibilidade e Origem.
O primeiro critério assevera que a coletividade é o sujeito de direito,
podendo esta ser representada por pessoas indeterminadas, sendo indetermináveis
(no caso de direitos difusos) ou determináveis (como se dá com os direitos
coletivos e com os individuais homogêneos).
Os autores salientam que “para cada espécie de direito coletivo há
um único titular, consistente no sujeito coletivo (comunidade, coletividade,
categoria, classe ou grupo), por conseguinte, deve-se afastar a equivocada
assertiva de que são vários e indeterminados os titulares dos direitos
coletivos” (2010, p. 40.).
Já o
critério de Divisibilidade, diz
respeito à possibilidade de partilha, por assim dizer, entre os membros da
coletividade; e a Origem consiste no critério que identifica o
surgimento desta coletividade através de uma mesma situação de fato, uma
relação jurídica-base ou de direitos equivalentes [1].
1.2.1. Direitos Difusos
Os direitos difusos foram conceituados pelo Código de Defesa do
Consumidor como direitos ou interesses “transindividuais, de natureza
indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato” (art. 81, parágrafo único, inc. I).
A primeira característica consiste na transindividualidade.
Desta forma, os direitos difusos não se restringem a esfera de direitos
e deveres de caráter individual, não só ultrapassando tal limite, mas
transcendendo, assim, o próprio indivíduo. Nas palavras de
Rodolfo de Camargo Mancuso, os direitos difusos são “interesses que depassam a esfera
de atuação dos indivíduos isoladamente considerados, para surpreendê-los em sua
dimensão coletiva” (apud FIORILLO, 2007, p. 6).
A segunda característica diz respeito à natureza indivisível dos direitos difusos, o que gera a
impossibilidade de cindi-los, partilhá-los, e somente podem ser considerados
como um todo. Utilizando-se expressão de Elpídio Donizetti e Marcelo Cerqueira,
essa indivisibilidade “significa que necessariamente a ofensa do bem atinge a
todos os membros integrantes da coletividade” (2010, p. 45). Sandra Lengruber
da Silva tratou do tema de forma interessante ao afirmar que “a natureza
indivisível refere-se ao objeto destes direitos, pertencentes a todos os titulares
e ao mesmo tempo a nenhum especificamente, do que decorre que tanto a lesão
como a satisfação de um interessado implica obrigatoriamente na lesão ou
satisfação de todos” (2004, p. 42).
O CDC assevera ainda que os direitos difusos possuem como
titulares pessoas indeterminadas, ou
seja, não há individuação. O que se pode determinar é apenas a coletividade
titular do direito difuso em tela, não os seus integrantes, conforme afirma
Elpídio Donizetti e Marcelo Cerqueira: “o sujeito coletivo nos direitos difusos
abrange um conjunto de indivíduos indeterminados e indetermináveis. Note-se que
indeterminados são apenas os membros da comunidade; esta, como titular do
direito material, é perfeitamente determinada. Aliás, a extensão da comunidade
vai depender da abrangência do próprio direito difuso, podendo equivaler, p.
ex., a toda a população brasileira ou apenas aos habitantes de certa cidade”
(2010, p. 45).
Por fim, para haver a caracterização de direitos difusos, é necessário que estes sujeitos indeterminados estejam ligados entre si por uma circunstância de fato, ou seja, ligadas por uma situação na qual não exista um vínculo comum de natureza jurídica. Elpídio Donizetti e Marcelo Cerqueira asseveram que “basta certo evento acarretar lesão ou ameaça de lesão a um bem indivisível entre indivíduos indetermináveis para que esses se unam, que queiram, ou não, formando uma coletividade” (2010, p. 47). Desta forma, esta coletividade passará a ser considerada como titular direito difuso “de proteção do bem indivisível lesado ou ameaçado” (2010, p. 47), nas palavras dos autores.
1.2.2. Direitos Coletivos em
Sentido Estrito
A segunda espécie de direito metaindividual foi tratada pelo
Código de Defesa do Consumidor como os direitos ou interesses
“transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si, ou com a parte contrária por
uma relação jurídica base” (art. 81, parágrafo único, inc. II), intitulados
pelo CDC como Direitos ou Interesses Coletivos. Ressalte-se que as
características de Transindividualidade e natureza
indivisível tratadas
no item anterior possuem a mesma aplicação para esta espécie de direito
coletivo. No entanto, uma parte da doutrina diverge desta aplicação, conforme o
exposto abaixo.
Vicente
Greco Filho, ao criticar o Código de Defesa do Consumidor, afirma que os
direitos coletivos são divisíveis, uma vez que além de pertencerem a uma
coletividade, pertencem também a cada um que integra esta (1995, p. 321).
Posicionamento semelhante é o de Fernando Grella Vieira (1993, p.
42-43) que assevera que é possível a discriminação da lesão em relação a cada
indivíduo pertencente à categoria, uma vez que as pessoas atingidas
individualmente são passíveis de determinação. Assim, nas palavras de Sandra
Lengruber da Silva, “não está afastada a possibilidade da tutela individual do
mesmo fato, podendo, inclusive, tais direitos comportar, eventualmente, a
disponibilidade do ponto de vista da pessoa individualmente afetada” (2004, p.
44).
Desta forma, faz-se mister uma observação acerca da Titularidade desta espécie de direito
metaindividual. O dispositivo legal assevera que os titulares do direito ou
interesse coletivo são grupo, categoria ou classe
de pessoas, sendo, portanto, pessoas indeterminadas,
porém determináveis. Posicionam-se de forma
semelhante Elpídio Donizetti e Marcelo Cerqueira ao afirmarem que “ao contrário
do que ocorre nos direitos difusos, as pessoas que compõem a coletividade
titular do direito coletivo em sentido estrito, embora sejam indeterminadas em
um primeiro momento, podem ser determinadas posteriormente” (2010, p. 47).
Ao tratar do tema, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. afirmam
que “o elemento diferenciador entre o direito difuso e o direito coletivo é,
portanto, a determinabilidade e a decorrente coesão como grupo, categoria ou
classe anterior a lesão, fenômeno que se verifica nos direitos coletivos stricto
sensu e não ocorre
nos direitos difusos” (2009, p. 75). Para estes autores resta indiferente a
identificação da “pessoa titular”, pois a prestação jurisdicional será
realizada de forma indivisível, concluindo que “para fins de tutela
jurisdicional, o que importa é a possibilidade de identificar um grupo,
categoria ou classe, vez que a tutela se revela indivisível, e a ação coletiva
não está ‘à disposição’ dos indivíduos que serão beneficiados” (2009, p. 75).
Por fim, os direitos coletivos em sentido estrito possuem origem
em uma relação jurídica base, ou
seja, a existência de uma prévia relação jurídica entre os membros da
coletividade envolvida no caso, ou entre essa e a parte adversa. Atente-se ao
caráter de anterioridade da relação jurídica ao fato lesivo ou
que apresenta ameaça de lesão. Desta forma, diferentemente, do que ocorre no
caso dos direitos difusos, no qual o vínculo jurídico entre os membros da
comunidade só surge após o evento lesivo, “a relação jurídica a que se refere a
lei é a preexistente à lesão ou ameaça de lesão ao direito do grupo, categoria
ou classe de pessoas, não podendo ser confundida com a relação originária da
lesão ou ameaça de lesão”, como preleciona Sandra Lengruber da Silva (2004, p.
43).
1.2.3. Direitos Individuais
Homogêneos
Por fim, CDC trata dos Direitos Individuais Homogêneos
conceituando-os como “os decorrentes de origem comum” (art. 81, parágrafo
único, inc. III). Ressalte-se que os Direitos e Interesses Individuais
Homogêneos não são direitos metaindividuais, pois, como afirma Sandra Lengruber
da Silva, “os direitos individuais homogêneos são aqueles de natureza individual, divisíveis
e individualizáveis, com titularidade determinada, que, por apresentarem,
origem comum, podem ser tratados
coletivamente” (2004, p. 47) (grifou-se).
Posição
semelhante é a adotada por Elpídio Donizetti e Marcelo Cerqueira, ao afirmarem
que “os direitos individuais homogêneos correspondem àqueles direitos que,
embora individuais em essência, são tratados coletivamente por ficção jurídica,
em razão da sua origem comum. Assim, em função da eficácia, conveniência e segurança
jurídica de se conferir proteção coletiva a uma gama de direitos individuais
decorrentes da mesma origem, tratou a lei de, artificialmente, criar a espécie
‘direito individual homogêneo’, cuja titularidade é atribuída a um conjunto de
pessoas molecularmente consideradas” (2010, p. 49-50).
Desta forma, como o próprio conceito assim determina, esta espécie
de direito tratada pelo CDC no terceiro inciso do parágrafo único do artigo 81
trata-se de direito individual com as características e essências dos direitos
já positivados nos códigos anteriores ao consumeirista. Contudo, a única
diferença entre os direitos individuais homogêneos e todos os outros
individuais consiste na origem pelo qual aquele surge no plano jurídico, qual
seja: a origem comum.
Nesse sentido, posiciona-se Antônio Gidi, ao afirmar que “a
homogeneidade decorre da circunstância de serem os direitos individuais
provenientes de uma origem comum. Isso possibilita, na prática, a defesa
coletiva de direitos individuais, porque as peculiaridades inerentes a cada
caso concreto são irrelevantes juridicamente, já que as lides individuais, no
que diz respeito às questões de direito são muito semelhantes e, em tese, a
decisão deveria ser a mesma em todos e em cada um dos casos” (1995 apud DONIZETTI e CERQUEIRA, 2010, p.
50).
Ressalte-se que, caracterizada a origem comum de direitos
individuais, a tutela coletiva se mostrará como mais adequada, tendo em vista o
objetivo do legislador de tratar tais direitos de forma molecular (o que
evitará a proliferação de causas “atômicas”) e, principalmente, evitando a
prolação de sentenças divergentes.
Desta forma, percebe-se que o CDC possibilitou uma verdadeira
adequação das situações jurídicas que envolviam uma coletividade a uma das
classificações acima apontadas, fazendo com que seja dada uma tutela condizente
com a espécie de direito transindividual tratado pelo ordenamento jurídico.
Portanto, mais que inovadora, a atitude do legislador se mostrou necessária
para uma efetiva tutela jurisdicional dos direitos que ultrapassam a esfera da
individualidade, pois caracterizando tais direitos, o CDC se aproxima da tão
almejada garantia de Acesso à Justiça em tempos nos quais a sociedade se depara
com direitos que não condizem mais com os conflitos de cunho individualistas.
REFERENCIAS
BIBLIOGRAFICAS
DIDIER
JR., Fredie; ZANETTI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. 2009. vol. 4.
DONIZETTI,
Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo.
2010.
FIORILLO,
Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro.
8ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007.
GIDI,
Antônio. Coisa julgada e litispendência em
ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995.
GRECO
FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades
(mandado de segurança, ação popular e ação civil pública). Boletim
de Direito Administrativo. São Paulo, ano XI, n. 6, 315/323, jun. 1995.
MOREIRA,
José Carlos Barbosa de. Tutela jurisdicional dos interesses
coletivos ou difusos, Temas de Direito Processual Civil.
3ª série. São Paulo: Saraiva, 1984.
SILVA,
Sandra Lengruber da. Elementos das ações coletivas.
2004.
VIEIRA,
Fernando Grella. A transação na esfera da tutela dos
interesses difusos e coletivos e a posição do Ministério Público.
Justitia, São Paulo, n. 161, vol. 55, 40/53, jan.-mar. 1993.
NOTAS
[1] Faz-se mister observar que os direito
individuais homogêneos não são direitos coletivos,
todavia recebem o tratamento do processo coletivo, sendo considerados como
direitos “acidentalmente coletivos”, na expressão de José Carlos Barbosa de
Moreira (1984, p. 195-196).
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