domingo, 17 de novembro de 2013

Direitos transindividuais: uma análise dos conceitos utilizados pelo Código de Defesa do Consumidor

Direitos transindividuais: uma análise dos conceitos utilizados pelo Código de Defesa do Consumidor

Publicado em 04/2012. Elaborado em 03/2012.

Sumário: 1.  Espécies de Direitos Transindividuais. 2.1. Direito Difuso. 2.2. Direito Coletivo em Sentido Estrito. 2.3. Direitos Individuais Homogêneos.


1.2. ESPÉCIES DE DIREITOS METAINDIVIDUAIS


O Código de Defesa do Consumidor possui, dentre as suas grandes características, o mérito e importância de ter definido, de forma objetiva, os chamados direitos transindividuais, tema do direito tão controvertido à época da publicação do referido código (anos 1990). A Lei nº 8.078/90 distinguiu os direitos metaindividuais entre Direitos Difusos, Direitos Coletivos e Direitos Individuais Homogêneos.
Para tanto, Elpídio Donizetti e Marcelo Cerqueira afirmam que a classificação dos Direitos Coletivos adotada pelo CDC se utiliza dos seguintes critérios: Titularidade, Divisibilidade e Origem.
O primeiro critério assevera que a coletividade é o sujeito de direito, podendo esta ser representada por pessoas indeterminadas, sendo indetermináveis (no caso de direitos difusos) ou determináveis (como se dá com os direitos coletivos e com os individuais homogêneos).
Os autores salientam que “para cada espécie de direito coletivo há um único titular, consistente no sujeito coletivo (comunidade, coletividade, categoria, classe ou grupo), por conseguinte, deve-se afastar a equivocada assertiva de que são vários e indeterminados os titulares dos direitos coletivos” (2010, p. 40.).
Já o critério de Divisibilidade, diz respeito à possibilidade de partilha, por assim dizer, entre os membros da coletividade; e a Origem consiste no critério que identifica o surgimento desta coletividade através de uma mesma situação de fato, uma relação jurídica-base ou de direitos equivalentes [1].


1.2.1. Direitos Difusos



Os direitos difusos foram conceituados pelo Código de Defesa do Consumidor como direitos ou interesses “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (art. 81, parágrafo único, inc. I).
A primeira característica consiste na transindividualidade. Desta forma, os direitos difusos não se restringem a esfera de direitos e deveres de caráter individual, não só ultrapassando tal limite, mas transcendendo, assim, o próprio indivíduo. Nas palavras de Rodolfo de Camargo Mancuso, os direitos difusos são “interesses que depassam a esfera de atuação dos indivíduos isoladamente considerados, para surpreendê-los em sua dimensão coletiva” (apud FIORILLO, 2007, p. 6).
A segunda característica diz respeito à natureza indivisível dos direitos difusos, o que gera a impossibilidade de cindi-los, partilhá-los, e somente podem ser considerados como um todo. Utilizando-se expressão de Elpídio Donizetti e Marcelo Cerqueira, essa indivisibilidade “significa que necessariamente a ofensa do bem atinge a todos os membros integrantes da coletividade” (2010, p. 45). Sandra Lengruber da Silva tratou do tema de forma interessante ao afirmar que “a natureza indivisível refere-se ao objeto destes direitos, pertencentes a todos os titulares e ao mesmo tempo a nenhum especificamente, do que decorre que tanto a lesão como a satisfação de um interessado implica obrigatoriamente na lesão ou satisfação de todos” (2004, p. 42).
O CDC assevera ainda que os direitos difusos possuem como titulares pessoas indeterminadas, ou seja, não há individuação. O que se pode determinar é apenas a coletividade titular do direito difuso em tela, não os seus integrantes, conforme afirma Elpídio Donizetti e Marcelo Cerqueira: “o sujeito coletivo nos direitos difusos abrange um conjunto de indivíduos indeterminados e indetermináveis. Note-se que indeterminados são apenas os membros da comunidade; esta, como titular do direito material, é perfeitamente determinada. Aliás, a extensão da comunidade vai depender da abrangência do próprio direito difuso, podendo equivaler, p. ex., a toda a população brasileira ou apenas aos habitantes de certa cidade” (2010, p. 45).

Por fim, para haver a caracterização de direitos difusos, é necessário que estes sujeitos indeterminados estejam ligados entre si por uma circunstância de fato, ou seja, ligadas por uma situação na qual não exista um vínculo comum de natureza jurídica. Elpídio Donizetti e Marcelo Cerqueira asseveram que “basta certo evento acarretar lesão ou ameaça de lesão a um bem indivisível entre indivíduos indetermináveis para que esses se unam, que queiram, ou não, formando uma coletividade” (2010, p. 47). Desta forma, esta coletividade passará a ser considerada como titular direito difuso “de proteção do bem indivisível lesado ou ameaçado” (2010, p. 47), nas palavras dos autores.

1.2.2. Direitos Coletivos em Sentido Estrito


A segunda espécie de direito metaindividual foi tratada pelo Código de Defesa do Consumidor como os direitos ou interesses “transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si, ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (art. 81, parágrafo único, inc. II), intitulados pelo CDC como Direitos ou Interesses Coletivos. Ressalte-se que as características de Transindividualidade e natureza indivisível tratadas no item anterior possuem a mesma aplicação para esta espécie de direito coletivo. No entanto, uma parte da doutrina diverge desta aplicação, conforme o exposto abaixo.
Vicente Greco Filho, ao criticar o Código de Defesa do Consumidor, afirma que os direitos coletivos são divisíveis, uma vez que além de pertencerem a uma coletividade, pertencem também a cada um que integra esta (1995, p. 321).
Posicionamento semelhante é o de Fernando Grella Vieira (1993, p. 42-43) que assevera que é possível a discriminação da lesão em relação a cada indivíduo pertencente à categoria, uma vez que as pessoas atingidas individualmente são passíveis de determinação. Assim, nas palavras de Sandra Lengruber da Silva, “não está afastada a possibilidade da tutela individual do mesmo fato, podendo, inclusive, tais direitos comportar, eventualmente, a disponibilidade do ponto de vista da pessoa individualmente afetada” (2004, p. 44).
Desta forma, faz-se mister uma observação acerca da Titularidade desta espécie de direito metaindividual. O dispositivo legal assevera que os titulares do direito ou interesse coletivo são grupo, categoria ou classe de pessoas, sendo, portanto, pessoas indeterminadas, porém determináveis. Posicionam-se de forma semelhante Elpídio Donizetti e Marcelo Cerqueira ao afirmarem que “ao contrário do que ocorre nos direitos difusos, as pessoas que compõem a coletividade titular do direito coletivo em sentido estrito, embora sejam indeterminadas em um primeiro momento, podem ser determinadas posteriormente” (2010, p. 47).
Ao tratar do tema, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. afirmam que “o elemento diferenciador entre o direito difuso e o direito coletivo é, portanto, a determinabilidade e a decorrente coesão como grupo, categoria ou classe anterior a lesão, fenômeno que se verifica nos direitos coletivos stricto sensu e não ocorre nos direitos difusos” (2009, p. 75). Para estes autores resta indiferente a identificação da “pessoa titular”, pois a prestação jurisdicional será realizada de forma indivisível, concluindo que “para fins de tutela jurisdicional, o que importa é a possibilidade de identificar um grupo, categoria ou classe, vez que a tutela se revela indivisível, e a ação coletiva não está ‘à disposição’ dos indivíduos que serão beneficiados” (2009, p. 75).
Por fim, os direitos coletivos em sentido estrito possuem origem em uma relação jurídica base, ou seja, a existência de uma prévia relação jurídica entre os membros da coletividade envolvida no caso, ou entre essa e a parte adversa. Atente-se ao caráter de anterioridade da relação jurídica ao fato lesivo ou que apresenta ameaça de lesão. Desta forma, diferentemente, do que ocorre no caso dos direitos difusos, no qual o vínculo jurídico entre os membros da comunidade só surge após o evento lesivo, “a relação jurídica a que se refere a lei é a preexistente à lesão ou ameaça de lesão ao direito do grupo, categoria ou classe de pessoas, não podendo ser confundida com a relação originária da lesão ou ameaça de lesão”, como preleciona Sandra Lengruber da Silva (2004, p. 43).

1.2.3. Direitos Individuais Homogêneos


Por fim, CDC trata dos Direitos Individuais Homogêneos conceituando-os como “os decorrentes de origem comum” (art. 81, parágrafo único, inc. III). Ressalte-se que os Direitos e Interesses Individuais Homogêneos não são direitos metaindividuais, pois, como afirma Sandra Lengruber da Silva, “os direitos individuais homogêneos são aqueles de natureza individual, divisíveis e individualizáveis, com titularidade determinada, que, por apresentarem, origem comum, podem ser tratados coletivamente” (2004, p. 47) (grifou-se).
Posição semelhante é a adotada por Elpídio Donizetti e Marcelo Cerqueira, ao afirmarem que “os direitos individuais homogêneos correspondem àqueles direitos que, embora individuais em essência, são tratados coletivamente por ficção jurídica, em razão da sua origem comum. Assim, em função da eficácia, conveniência e segurança jurídica de se conferir proteção coletiva a uma gama de direitos individuais decorrentes da mesma origem, tratou a lei de, artificialmente, criar a espécie ‘direito individual homogêneo’, cuja titularidade é atribuída a um conjunto de pessoas molecularmente consideradas” (2010, p. 49-50).
Desta forma, como o próprio conceito assim determina, esta espécie de direito tratada pelo CDC no terceiro inciso do parágrafo único do artigo 81 trata-se de direito individual com as características e essências dos direitos já positivados nos códigos anteriores ao consumeirista. Contudo, a única diferença entre os direitos individuais homogêneos e todos os outros individuais consiste na origem pelo qual aquele surge no plano jurídico, qual seja: a origem comum.
Nesse sentido, posiciona-se Antônio Gidi, ao afirmar que “a homogeneidade decorre da circunstância de serem os direitos individuais provenientes de uma origem comum. Isso possibilita, na prática, a defesa coletiva de direitos individuais, porque as peculiaridades inerentes a cada caso concreto são irrelevantes juridicamente, já que as lides individuais, no que diz respeito às questões de direito são muito semelhantes e, em tese, a decisão deveria ser a mesma em todos e em cada um dos casos” (1995 apud DONIZETTI e CERQUEIRA, 2010, p. 50).
Ressalte-se que, caracterizada a origem comum de direitos individuais, a tutela coletiva se mostrará como mais adequada, tendo em vista o objetivo do legislador de tratar tais direitos de forma molecular (o que evitará a proliferação de causas “atômicas”) e, principalmente, evitando a prolação de sentenças divergentes.
Desta forma, percebe-se que o CDC possibilitou uma verdadeira adequação das situações jurídicas que envolviam uma coletividade a uma das classificações acima apontadas, fazendo com que seja dada uma tutela condizente com a espécie de direito transindividual tratado pelo ordenamento jurídico. Portanto, mais que inovadora, a atitude do legislador se mostrou necessária para uma efetiva tutela jurisdicional dos direitos que ultrapassam a esfera da individualidade, pois caracterizando tais direitos, o CDC se aproxima da tão almejada garantia de Acesso à Justiça em tempos nos quais a sociedade se depara com direitos que não condizem mais com os conflitos de cunho individualistas.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS


DIDIER JR., Fredie; ZANETTI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. 2009. vol. 4.
DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de processo coletivo. 2010.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 8ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007.
GIDI, Antônio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995.
GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades (mandado de segurança, ação popular e ação civil pública). Boletim de Direito Administrativo. São Paulo, ano XI, n. 6, 315/323, jun. 1995.
MOREIRA, José Carlos Barbosa de. Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos, Temas de Direito Processual Civil. 3ª série. São Paulo: Saraiva, 1984.
SILVA, Sandra Lengruber da. Elementos das ações coletivas. 2004.
VIEIRA, Fernando Grella. A transação na esfera da tutela dos interesses difusos e coletivos e a posição do Ministério Público. Justitia, São Paulo, n. 161, vol. 55, 40/53, jan.-mar. 1993.

NOTAS

[1] Faz-se mister observar que os direito individuais homogêneos não são direitos coletivos, todavia recebem o tratamento do processo coletivo, sendo considerados como direitos “acidentalmente coletivos”, na expressão de José Carlos Barbosa de Moreira (1984, p. 195-196).

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