quarta-feira, 30 de outubro de 2019

A última despedida...

| Hospital de Barretos - Setor de Hematologia |

- Filho, tô com medo... (fitando os olhos para o chão)
- Calma pai, 'tô aqui com você. Vai dar tudo certo. É um procedimento simples; logo termina (seguro bem forte a mão dele).

O médico chega.

- Boa tarde sr. Roldan. Tudo bem?
- Mais ou menos doutor. Estou com medo.
- Pode ficar tranquilo sr. Roldan. Já fiz mais de 500 procedimentos iguaizinhos a este e nunca aconteceu nada. (sorrindo e com tranquilidade).
          - Tem riscos?
- Tem sim. Todo procedimento médico envolve riscos. 
- E qual o risco então doutor? (com a voz embargada
- É o mesmo risco desse teto aqui desabar em nossas cabeças (com firmeza
- 'Tá bom doutor, obrigado. 
- Fica tranquilo. Te vejo daqui a pouquinho na sala de procedimento (bate as mãos nas costas do meu pai e sai)

Com as explicações médicas, eu fiquei mais tranquilo. Imaginei que meu pai estava com um medo desproporcional a complexidade do procedimento. E disse a ele:

- Acalma o coração paizão. Você não ouviu o que o médico acabou de dizer? Daqui a pouco você 'tá de volta. 
- Eu sei filho, mas mesmo assim. 'Tô com um aperto aqui no peito. E se acontecer algo, não esquece tudo que conversamos, tudo que te ensinei 'tá? 
- Claro pai, mas não vai acontecer nada. (fingindo calma, mas no fundo muito aflito)
- Não gaste mais do que você ganha. Dirija com atenção, principalmente na estrada. Não briga com seus irmãos. Não viva p'ra trabalhar. (ele respira fundo e continua) Viva bem filho. Tenha uma vida feliz. Promete? (ele sempre repetia isso, como um mantra).
- Prometo pai.  
- Obrigado por tudo filhão. Te amo muito 'tá? 
- Para com isso pai; também te amo muito paizão. Até daqui a pouco. (toda vez que ele tentava se despedir, meu coração se dilacerava. Mal sabia que essa seria a derradeira despedida).

A enfermeira anuncia o nome do meu pai:

- Sr. Roldan, já pode entrar.

Conduzo meu pai até a porta da sala de procedimento. Não fui autorizado a entrar. Fico na sala de espera. O procedimento não passaria de 45 minutos. Olho o relógio, já se passara uma hora. Indago a enfermeira:

 - ´Tá tudo bem? 'Tá demorando. 
- O doutor teve dificuldades para iniciar o procedimento, daqui a pouco termina, ok? 
- 'Tá bom.

30 minutos depois, aflito novamente interpelo:

- Oi, desculpa incomodar. Já terminou o procedimento? 
- Vou verificar, um instante.

Mais alguns minutos se passam. Perco a noção do tempo, pareciam dezenas de horas. Não consigo sentar. Levanto. Sento de novo. Olho incessantemente a porta. De repente, olho novamente e vejo o dr. George. Meu coração congela. Os olhos dele estão cheios de lágrimas. Não foi preciso dizer nada, os olhos dele disseram tudo, tudo o que eu não queria ouvir.

- Desculpa. Desculpa, eu fiz tudo que estava ao meu alcance, mas seu pai não resistiu.

Fiquei catatônico. Atônito. Mudo. Gelado. Incrédulo diante da notícia. Ele me abraça forte. Começo a chorar e a soluçar intensamente. O improvável aconteceu, o teto desabou bem em cima das nossas cabeças.

E é por isso que eu digo de coração aberto:

Nem todos os dias estamos bem; isso é normal. Nem todos os dias dizemos que amamos nossos pais; isso é normal. Mas nunca, nunca desperdice uma só oportunidade de demonstrar carinho, amor. De fazer um gesto de cuidado. Um carinho, uma lembrança. Um afago que pode ser um terno abraço ou um simples: como foi seu dia? Precisa de ajuda? Ou um singelo e sincero: eu te amo!

Cuide dos seus pais. Ame seus pais e deixem eles terem certeza disso.

Agora me restam as boas lembranças, os ensinamentos. As piadas, as gargalhadas, o futebol, os desenhos e telas, as canções acompanhadas do violão e depois do ukulele. A vontade de revê-lo é permanente. Como diria Rubem Alves:
A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar.
Todos os dias penso em voltar. Mas a vida nos dá e também nos tira; novamente recorro a Rubem Alves:
Amar é ter um pássaro pousado no dedo.
Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que,
a qualquer momento, ele pode voar.
Me dói a separação, mas me alenta a lembrança. O amor não se foi, pelo contrário, p'ra sempre ele vai ficar.
Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas, porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno.
   
                                                                           
Roldan Alencar



terça-feira, 29 de outubro de 2019

#RubemAlves

“Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas, porque a gente não esquece. O que a memória ama, fica eterno.” – Rubem Alves

#reflexão

“Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente.” – Érico Veríssimo

#RubemAlves

“Não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses”, diria o escritor, ou, ainda: “Todo jardim começa com um sonho de amor. Antes que qualquer árvore seja plantada ou qualquer lago seja construído, é preciso que as árvores e os lagos tenham nascido dentro da alma. Quem não tem jardins por dentro, não planta jardins por fora nem passeia por eles…”

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

#reflexão

Life is about the people  you meet
and the things you create with them,
so go out and start creating
Life is short
Live your dream,
and wear your passion.

A vida é sobre as pessoas que você encontra
e as coisas que você cria com elas
então saia e comece a criar
A vida é curta
Viva seu sonho,
e vista sua paixão.

Pupila | Vitor Kley e Anavitória (cifra ukulele)



terça-feira, 15 de outubro de 2019

Definitivo | Martha Medeiros


Definitivo, como tudo o que é simples. Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos,por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos. Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.

Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Por que sofremos tanto por amor? O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável,um tempo feliz.

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais!

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável. O sofrimento é opcional...

Martha Medeiros

Queremos ser Grandes | Reflexão


QUEREMOS SER GRANDES


Antes de desenvolver o texto, quero me valer da polissemia das palavras. Em relação ao título, quero me referir a criança querendo ser grande, adulta. Também quando queremos ser grandes no sentido de sermos maiores que os demais, no sentido denotativo, material da palavra. Seja em tamanho físico, seja em ser “melhor qualificado” em alguma habilidade ou condição - ser mais inteligente, mais bonito, mais rico, mais respeitado, mais amado etc, e por último, ser grande no sentido de se expandir, querer ser mais do que se é (no sentido abstrato, conotativo).

Quando criança eu não via a hora de ser grande. Imaginava que ser grande me traria muitos benefícios, afinal eu era subjugado pelos adultos, eu obedecia ordens: - faça isso, não faça aquilo, vá para cama, e avisos como: - você vai apanhar se fizer isso. É claro, eu me divertia, brincava, me sujava, era uma criança feliz, mas o sonho de ser adulto me inquietava. Alguns anos passaram e me tornei adolescente, fase repleta de descobertas e contradições. Nessa fase, os pais que outrora achavam que crianças pequenas davam trabalho, se sentem saudosos ao relembrar os primeiros anos de vida, principalmente quando desafiados pelo furor e insatisfação de um adolescente em crise. A verdade é que muitos se rebelam, querem sair de casa, querem independência, querem dirigir, eles querem ser grandes, tornarem-se adultos.

Finalmente quando chega a fase adulta, os compromissos e as responsabilidades aumentam e o "recém-adulto" começa a se lembrar com carinho e saudosismo da infância e resmunga: Eu era feliz e não sabia. Imagino que até mesmo antes da fase adulta, lá no ensino médio, à espreita do temido vestibular, alguns adolescentes já querem voltar a ser criança.

No mundo adulto a competição ganha novos ares. Já não é brincadeira. Quando criança eu nunca queria perder, queria ser melhor que as outras crianças e isso é natural.  A criança que perde se sente inferiorizada e segregada do grupo, com adultos a dinâmica não é muito diferente, mas agora o corpo já é grande. Não tem como fugir. É preciso encarar a realidade, mas homem, ser simbólico que é, mesmo não crescendo mais, pelo menos não verticalmente, sempre busca formas de ser maior. Assim, mulheres usam saltos, homem tentam ter músculos mais chamativos. O desejo de crescer não para. 

Noutro giro, pode-se dizer que a alma do homem é um vazio eterno que procura ser preenchido. E quando de certa forma é preenchido misteriosamente se esvazia de novo, surgindo uma crescente vontade de ser cheio mais uma vez. Assim queremos mais bens, queremos mais vitórias, queremos mais amores, queremos ser mais respeitados, queremos ser amados, queremos mais poder, queremos mais objetos, queremos sempre mais. Queremos ser maior do que somos. 

E neste ponto está a grande beleza da vida. Não em querer ser maior para diminuir os outros, mas ser maior para ser junto com os outros, somar. Aliás, o corpo não cresce mais, na verdade, após certa idade o corpo começa a deteriorar-se e muitas pessoas acham que a alma envelhece também. Mas a alma é infinita. Ela é elástica. O vazio que sentimos, não é porque a alma se esvaziou ou cresceu o que tinha que crescer, mas sim porque ela não para de evoluir nunca, ela sempre cria novos espaços. 

O desejo de ser mais torna a vida mais gostosa de viver. Reviver momentos e querer mais daquilo que nos fez bem é uma exigência da alma. Descobrir novas fontes sem deixar de apreciar o Sol que se poe todos os dias. Veja, o corpo pede comida e ele pede comida na quantidade exata. Mas nós inventamos sabores, pratos, franquias e comemos além, não é à toa que o mundo nunca teve tantos obesos. O corpo pede sono, nem pouco nem muito. Mas nós sempre damos um jeito deixá-lo aquém ou  além, quando dormimos de madrugada e acordamos cedo ou quando dormimos de madrugada e acordamos na noite seguinte. 

Assim, o que devemos procurar é a razoabilidade, o equilíbrio. Ouvir o que a voz interna pede. É impossível negar a influência dos acontecimentos em nossas vidas. Afinal, não escolhemos muitas coisas. Quando e onde nascemos, não pedimos para ser ricas ou pobres, brancos ou pardos, inteligentes, asiáticos ou africanos. Não sabemos  os dilemas do amanhã. Não sabemos nada. Talvez isso explique um pouco o desejo da criança ser adulto. Para que se possa fingir o controle sobre a vida, pois é exatamente isso que nós adultos fazemos. E quando perdemos ou desafiamos essa ilusão, o resultado muitas vezes é trágico: tristeza, descontentamento, depressão. Parece nos falta um destino, pois já dizia Lewis Carroll para quem não sabe onde ir, tanto faz ir ou ficar.

Para as crianças os adultos controlam o mundo de forma absoluta, quando na verdade, sabemos que somos quase sempre controlados por forças maiores ou desconhecidas. Eu disse quase. Porque nesse quase, cabe infinitas maneiras de viver. E nesse quase podemos fazer tanta coisa que não precisaremos ter a ilusão de controlar nossas vidas, nos bastará a certeza de que estamos fazendo e entregando o nosso melhor - para que a vida seja feliz e bela seja onde e como for, como assevera o ensinamento budista: a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional. 

Roldan Alencar



quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Sobre amor, melão e futebol

Eu que nem gostava de melão
Evitava comê-lo desde tempos imemoriais
Mas me lembrei que era a fruta favorita da minha mãe
E decidi então "reexperimentá-lo"
Revisitar aquele sabor que outrora achava tão ruim

Na primeira mordida
Um sabor extraordinário
De lembranças
Lembrei da alegria da minha mãe comendo melão
Lembrei-me de quando ela estava gravemente doente
Quando meu pai carinhosamente o preparava
em pequenos cubos

Senti o sabor do amor
Do carinho
Da cumplicidade
Do cuidado
E a partir daquele instante
Minha fruta favorita se tornou o melão
O seu sabor de amor me conquistou

De forma antropofágica
Quando como o melão
Me sinto amado
Lembro do portentoso amor de mãe

E falando em melão
Lembrei de futebol
Eu que nunca fui um grande torcedor
Ao assistir uma partida do Santos (time de minha mãe)
Comemorei cada gol com tanta veemência
Será a magia do melão?

Não há um dia em que eu não pense nela
E nessas trivialidades da vida
Num melão ou num time de futebol
Sinto que ela ainda está em casa
Esperando que seu filho não chegue tarde

Roldan Alencar
"Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania,
Depende de quando e como você me vê passar."

Clarice Lispector