QUEREMOS SER GRANDES
Antes de desenvolver o texto, quero me valer da polissemia das palavras. Em relação ao título, quero me referir a criança querendo ser grande, adulta. Também quando queremos ser grandes no sentido de sermos maiores que os demais, no sentido denotativo, material da palavra. Seja em tamanho físico, seja em ser “melhor qualificado” em alguma habilidade ou condição - ser mais inteligente, mais bonito, mais rico, mais respeitado, mais amado etc, e por último, ser grande no sentido de se expandir, querer ser mais do que se é (no sentido abstrato, conotativo).
Quando criança eu não via a hora de ser grande. Imaginava que ser grande me traria muitos benefícios, afinal eu era subjugado pelos adultos, eu obedecia ordens: - faça isso, não faça aquilo, vá para cama, e avisos como: - você vai apanhar se fizer isso. É claro, eu me divertia, brincava, me sujava, era uma criança feliz, mas o sonho de ser adulto me inquietava. Alguns anos passaram e me tornei adolescente, fase repleta de descobertas e contradições. Nessa fase, os pais que outrora achavam que crianças pequenas davam trabalho, se sentem saudosos ao relembrar os primeiros anos de vida, principalmente quando desafiados pelo furor e insatisfação de um adolescente em crise. A verdade é que muitos se rebelam, querem sair de casa, querem independência, querem dirigir, eles querem ser grandes, tornarem-se adultos.
Finalmente quando chega a fase adulta, os compromissos e as responsabilidades aumentam e o "recém-adulto" começa a se lembrar com carinho e saudosismo da infância e resmunga: Eu era feliz e não sabia. Imagino que até mesmo antes da fase adulta, lá no ensino médio, à espreita do temido vestibular, alguns adolescentes já querem voltar a ser criança.
No mundo adulto a competição ganha novos ares. Já não é brincadeira. Quando criança eu nunca queria perder, queria ser melhor que as outras crianças e isso é natural. A criança que perde se sente inferiorizada e segregada do grupo, com adultos a dinâmica não é muito diferente, mas agora o corpo já é grande. Não tem como fugir. É preciso encarar a realidade, mas homem, ser simbólico que é, mesmo não crescendo mais, pelo menos não verticalmente, sempre busca formas de ser maior. Assim, mulheres usam saltos, homem tentam ter músculos mais chamativos. O desejo de crescer não para.
Noutro giro, pode-se dizer que a alma do homem é um vazio eterno que procura ser preenchido. E quando de certa forma é preenchido misteriosamente se esvazia de novo, surgindo uma crescente vontade de ser cheio mais uma vez. Assim queremos mais bens, queremos mais vitórias, queremos mais amores, queremos ser mais respeitados, queremos ser amados, queremos mais poder, queremos mais objetos, queremos sempre mais. Queremos ser maior do que somos.
E neste ponto está a grande beleza da vida. Não em querer ser maior para diminuir os outros, mas ser maior para ser junto com os outros, somar. Aliás, o corpo não cresce mais, na verdade, após certa idade o corpo começa a deteriorar-se e muitas pessoas acham que a alma envelhece também. Mas a alma é infinita. Ela é elástica. O vazio que sentimos, não é porque a alma se esvaziou ou cresceu o que tinha que crescer, mas sim porque ela não para de evoluir nunca, ela sempre cria novos espaços.
O desejo de ser mais torna a vida mais gostosa de viver. Reviver momentos e querer mais daquilo que nos fez bem é uma exigência da alma. Descobrir novas fontes sem deixar de apreciar o Sol que se poe todos os dias. Veja, o corpo pede comida e ele pede comida na quantidade exata. Mas nós inventamos sabores, pratos, franquias e comemos além, não é à toa que o mundo nunca teve tantos obesos. O corpo pede sono, nem pouco nem muito. Mas nós sempre damos um jeito deixá-lo aquém ou além, quando dormimos de madrugada e acordamos cedo ou quando dormimos de madrugada e acordamos na noite seguinte.
Assim, o que devemos procurar é a razoabilidade, o equilíbrio. Ouvir o que a voz interna pede. É impossível negar a influência dos acontecimentos em nossas vidas. Afinal, não escolhemos muitas coisas. Quando e onde nascemos, não pedimos para ser ricas ou pobres, brancos ou pardos, inteligentes, asiáticos ou africanos. Não sabemos os dilemas do amanhã. Não sabemos nada. Talvez isso explique um pouco o desejo da criança ser adulto. Para que se possa fingir o controle sobre a vida, pois é exatamente isso que nós adultos fazemos. E quando perdemos ou desafiamos essa ilusão, o resultado muitas vezes é trágico: tristeza, descontentamento, depressão. Parece nos falta um destino, pois já dizia Lewis Carroll para quem não sabe onde ir, tanto faz ir ou ficar.
Para as crianças os adultos controlam o mundo de forma absoluta, quando na verdade, sabemos que somos quase sempre controlados por forças maiores ou desconhecidas. Eu disse quase. Porque nesse quase, cabe infinitas maneiras de viver. E nesse quase podemos fazer tanta coisa que não precisaremos ter a ilusão de controlar nossas vidas, nos bastará a certeza de que estamos fazendo e entregando o nosso melhor - para que a vida seja feliz e bela seja onde e como for, como assevera o ensinamento budista: a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional.
Roldan Alencar
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentária, sugestão ou crítica o/