segunda-feira, 11 de novembro de 2019

A beleza da incerteza e os desafios da vida

Paradoxalmente a beleza da vida está na dúvida. Que graça teria a vida se cada acontecimento fosse um passo previamente conhecido - não teria a menor emoção. Tenho a impressão que nossa sociedade moderna quer acabar com isso. É como se fôssemos marionetes. Quando nascemos temos um manual pré-fabricado de como tudo deve ser. E parece que nos é permitido apenas mudar algumas pequenas cláusulas de manual.

E isso é algo importante a se pensar. Mesmo que não entremos em discussões religiosas, gostaria de perguntar por que vivemos? Qual o nosso propósito de vida? Qual a nossa margem de escolha no mundo que vivemos. Isso é muito sério. Para começar não escolhemos a época em que nascemos, nem nosso gênero, nome, nacionalidade, etnia, família ou classe econômica. 

Quais são nossas escolhas, senão aquelas oriundas da realidade pronta que recebemos ao nascer?

Em um lacônico resumo, ouso esboçar um possível modelo de vida nos seguintes termos: (excetuando o nascimento, os demais não seguem uma ordem cronológica exata): - Nascemos. Aprendemos a andra e falar. Entramos no colégio. Nos graduamos. Estudamos incessantemente por anos para conseguir um bom emprego (afinal precisamos fazer nossa vida. Pagar contas: água, energia, telefonem internet, carros, roupas, viagens, celulares e acessórios).  Precisamos nos relacionar, namorar, casar. Precisamos de casa e precisamos gerar filhos, netos...plantamos uma árvore, escrevemos um livro...Um ajuste ali, aqui ou acolá, pronto cumprimos o manual mencionado lá no começo. Podemos esperar a morte em paz.

Tanto é verdade o que estou dizendo que quando alguém chega na casa dos 30 anos ou até antes se sente na obrigação de ter conquistado a almejada estabilidade financeira e vários pontos do "suposto manual" da vida, como se casar, por exemplo. A mulher se sente pressionada a ter filhos. E lá no íntimo, mesmo que digamos que não ligamos para toda essa expectativa social, sempre existe alguma frustração de algo não realizado segundo os padrões da sociedade. Um auto-senso de falha. Isso é normal.

Faz sentido? Você vive assim? Eu vivo e neste exato momento estou pensando no que posso fazer para processar toda essa informação e ressignificar tudo isso.

A questão não é ter um filho, é criá-lo da melhor forma possível. Não é sobre plantar uma árvore, mas sim regá-la todos os dias. Não é sobre escrever um livro, mas sim acreditar e praticar aquilo que foi escrito.

Nos sentimos pressionados a tomar determinado rumo, muitas vezes porque é o que a maioria faz. Seria o famoso efeito manada? Somos orientados a fazer o curso X ou Y, porque o curso Z não dá dinheiro (não importa se você gosta ou não). Somos conduzidos a sermos bem sucedidos e talvez teremos como brinde a tão sonhada felicidade. Afinal, é muito mais fácil sorrir quando se mora numa casa confortável, dirige um carrão e não possui dívidas, certo? Mas será tão simples assim?

E nessa toada, algo que me intriga ocorre quando acesso a internet e vejo milhares de coaches e pseudo terapeutas dizendo: você pode ser o que quiser. Desde de um milionário a uma celebridade da TV. Tudo é questão de meritocracia. Bem, eu realmente acredito no poder do trabalho e no poder da transformação. Mas como falar em meritocracia para pessoas desiguais. Qual a probabilidade de um filho de juiz ser médico em comparação a um filho de uma mãe solteira com mais 5 irmãos residentes em uma favela do Brasil? 

Ambos terão que estudar e se dedicar caso queiram se tornar médicos, é claro. Mas qual terá as melhores condições de lograr êxito? Quem teve acesso aos melhores colégios, médicos, alimentação, moradia. E nesse raciocínio eu indago: - Seria o mundo justo? Seria a vida traiçoeira? Qual seria a culpa de Deus em tudo isso? A vitória ou derrota depende somente de nós mesmos? Isso me faz lembrar de uma reflexão de Mário Sérgio Cortella:

"Faça o teu melhor, na condição que você tem, enquanto você não tem condições melhores, para fazer melhor ainda!" 

Não estou defendendo o vitimismo. Estou apenas indicando as incongruências do discurso do "posso tudo desde que eu pague o preço". Esse discurso é parcialmente verdadeiro. Com certeza temos que lutar pelo que queremos e fazer nosso melhor, entretanto, é preciso antes enxergar a realidade, pare depois transformá-la. Veja, não estou dizendo que é errado seguir passos ou planejar a vida. Isso é bom. O errado é a "opressão". É o fazer por fazer. Sem vontade. Sem reflexão.  Sem tesão. Geralmente fazemos nossos planos de vida baseados em ilusões ou nos passos que nossos pais seguiram ou planejaram para nós. E falando neles, é claro que eles sempre desejam o melhor é claro. Querem que tenhamos uma vida bem-sucedida.  Mas o que seria uma vida "bem-sucedida" em termos da sociedade atual? Seriam nossos desejos uma construção do ego, algo feito para manter nossas aparências? Ou seriam sonhos do nosso íntimo? Coisas que realmente nos deixam realizados. 

Atenção! Não quero incentivar à vida dos prazeres (hedonismo) aquela em que a vida perfeita está atrelada a fazermos somente aquilo que nos dá prazer, tampouco o niilismo (pessimismo sobre a vida). De forma alguma. A vida boa para mim é a vida com significado. Que tenha um propósito, seja ele cuidar de crianças carentes, salvar as baleias, o meio-ambiente, propalar a arte (música, pintura, literatura), esportes, criar seus filhos ou escrever um livro.

Gostaria de deixar claro que faço muitas perguntas e não pretendo responder todas (talvez eu não responda nenhuma). Meu objetivo aqui é a reflexão. Na filosofia as perguntas são mais importantes que as respostas, pois a solução de um problema nasce primeiro com as ideias.

Ok, Roldan! Estou refletindo, mas você não teria alguma ideia? Sim, como eu mencionei lá em cima, é preciso acreditar e praticar o que se escreve. Eu escrevo para refletir e reflito enquanto escrevo, num processo de retroalimentação. Comecei a escrever justamente para extravasar todo sentimento não compreendido. Confesso que o processo de significação da vida é infinito, pois ele vai se transformando. Afinal, aprendemos e ensinamos todos os dias. Aquele que deixou de aprender ou ensinar, assinou sua sentença de morte. E quando digo "aprender e ensinar",  não me refiro somente ao ensino formal propriamente dito, podemos aprender e ensinar de infinitas maneiras. Mas é preciso estabelecer as bases do que será nossa "vida com propósito", ou como diria Clóvis de Barros Filho: uma vida que vale a pena ser vivida.

Precisamos delimitar o ponto de partida. No meu caso, tento apreciar todos os processos em que estou inserido. Amo aprender e ensinar. Amo a arte e suas vertentes. Amo a beleza da vida e seus detalhes. Amo me conectar com as pessoas. Estou aprendendo a ajudar o próximo de uma forma mais direta. E tento a cada dia apreciar o presente, o agora. Maximizar cada momento. Pode ser um bom filme, uma conversa, uma taça de vinho ou um apetitoso prato de comida. Cometo milhares de falhas, continuo tendo dias péssimos, choro, me estresso, me sinto só, me desconecto de pessoas que amo muito e isso realmente dói  -  mas faz parte do processo. Quem disse que seria fácil?

Precisamos realmente parar e refletir naquilo que queremos. Dizer que queremos ser felizes e que queremos ter uma vida boa, é algo tremendamente óbvio e ao mesmo tempo vago. Todo mundo quer isso. Mas o que fazermos para alcançarmos esse objetivo? Vamos primeiro refletir. Vamos questionar nossas vontades e desejos. Por que preciso de um carro novo? Será que quero isso somente por aparência? Preciso realmente me casar ou vou me casar para não ficar só? Será que eu  desejo filhos ou tenho medo de ficar velho e desamparado? Será que desejo estudar Direito ou farei somente para agradar meus pais? Preciso mudar de emprego ou vou viver reclamando do atual? Preciso entrar ou sair de um relacionamento? Sinceramente eu não sei. Mas digo que nunca é tarde para mudar. Não importa se é o emprego ou casamento. É possível começar a transformação neste exato momento. Isso dá muito trabalho. Toda transformação gera dor. Ser feliz dá muito trabalho, como diria Leandro Karnal.

Precisamos nos debruçar sobre todas as decisões que tomamos e que nos fizeram chegar até aqui. Olhar para o passado não com tristeza por pensar que tudo poderia ser diferente, mas com olhar de gratidão e saber que a partir de hoje tudo pode ser melhor.

                                   A vida é muito curta par ser pequena.
                                              Mário Sérgio Cortella

Que as dúvidas e incertezas da vida sejam encaradas com beleza e que tenhamos a destreza para enfrentar os desafios e apreciar os detalhes. Que possamos colecionar o máximo de momentos incríveis e que possamos dizer, valeu a pena ter vivido.

Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente.
Érico Veríssimo , Olhai os Lírios do Campo. Editora Globo, 1974.

Roldan Alencar



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