quinta-feira, 2 de junho de 2016

O BENEFICIÁRIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA NO NOVO CPC

O caput do art. 98 do NCPC dispõe sobre aqueles que podem ser beneficiários da justiça gratuita: “Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei”.

Qualquer um que seja parte – demandante ou demandada – pode usufruir do benefício da justiça gratuita e bem assim o terceiro, após a intervenção, quando, então, assume a qualidade de parte.

Embora a lei se refira à “pessoa”, parece intuitivo que também os entes despersonalizados, que possuem apenas personalidade no plano processual, podem gozar da gratuidade da justiça. A negativa, neste caso, se admitida, atingiria, em última análise, o direito fundamental à justiça gratuita das próprias pessoas vinculadas a esses entes.

Conforme o art. 98, tanto a pessoa natural como a pessoa jurídica têm direito à justiça gratuita, sejam estas brasileiras ou estrangeiras.

A interpretação literal do parágrafo único do art. 2º. da Lei n. 1.060/50 conduz ao entendimento de que as pessoas jurídicas não podem usufruir do benefício da gratuidade, uma vez que considera necessitado “todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”.

Ao aludir à incapacidade de sustento próprio ou da família, o texto pode levar ao entendimento de que apenas as pessoas naturais podem ser beneficiárias da justiça gratuita; afinal, só elas podem compor uma família.

É verdade que, já à luz da Lei n. 1.060/50, a doutrina e a jurisprudência são unânimes quanto à possibilidade de concessão da justiça gratuita às pessoas jurídicas, que, apesar de não terem família, podem, perfeitamente, não ter condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo de sua manutenção.

Ocorre que a redação do NCPC, ao requisitar “insuficiência de recursos”, é mais clara, trazendo, pois, segurança na aplicação do instituto e prevenindo discussões desnecessárias.

Ainda sobre a gratuidade a que tem direito a pessoa jurídica, o NCPC dispõe que “presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural”.

Assim, à pessoa natural basta a mera alegação de insuficiência de recursos, sendo desnecessária a produção de provas da hipossuficiência financeira. A alegação presume-se verdadeira, admitindo-se, contudo, que cesse por prova em contrário produzida pela parte adversa ou em razão de investigação feita de ofício pelo juiz.

Por sua vez, a pessoa jurídica deve comprovar a insuficiência de recursos para fazer jus à gratuidade da justiça, sendo irrelevante possuir finalidade lucrativa ou não. Vale dizer, tanto as pessoas jurídicas com fins lucrativos como as pessoas jurídicas sem fins lucrativos devem demonstrar a insuficiência de recursos para usufruir o benefício da justiça gratuita.

Assim, para as pessoas jurídicas, não se tem a presunção relativa de veracidade da alegação; deve o interessado, pois, alegar e provar a insuficiência de recursos.

Nesse sentido, o NCPC incorpora a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema. Especificamente, a Súmula, n. 481, do STJ, permanece plenamente em vigor.

Súmula 481 STJ - Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais.

Além disso, o art. 98 do NCPC estende o benefício da gratuidade aos estrangeiros, enquanto o caput do art. 5º da CF/88 o faz apenas para os estrangeiros residentes, em relação à generalidade dos direitos fundamentais. Não há aí, evidentemente, nenhum vício de inconstitucionalidade, por aparente contrariedade entre o ato normativo infraconstitucional e a CF/88.

Independentemente de qualquer reciprocidade em favor de brasileiros, os estrangeiros, inclusive os apátridas, residentes ou não, mesmo que em trânsito pelo território nacional, titularizam direito fundamentais, especialmente aqueles de índole processual, como o direito à justiça gratuita.

Como visto acima, a Constituição dispõe sobre o conteúdo irredutível do direito à justiça gratuita, autorizando o legislador infraconstitucional, obviamente, em nome da máxima efetividade do direito, a ampliar o âmbito de proteção, de modo a resultar em maior tutela à situação jurídica da pessoa.

Sem prejuízo desse argumento, o direito à justiça gratuita, assim como os demais direitos fundamentais processuais, possui nítida função instrumental, servindo à tutela dos demais direitos (materiais ou processuais) em juízo, o que inviabilizaria, acaso negados, qualquer tipo de proteção judicial ao estrangeiro.

Cumpre observar, ainda, com fundamento no §6º. do art. 99 do NCPC (correspondente, em parte, ao art. 10 da Lei n. 1.060/50), que o direito ao benefício da gratuidade judiciária é personalíssimo, porque personalíssima é a insuficiência de recursos que autoriza sua concessão.

Logo, o fato jurídico morte extingue o benefício, com efeitos ex nunc.

Diante disso, a justiça gratuita concedida a uma parte não se estende ao litisconsorte, que pode, obviamente, possuir condições financeiras suficientes para pagar as despesas do processo.

Por força de iguais razões, ao sucessor do beneficiário também não se estende o benefício antes deferido ao sucedido.

É claro que, satisfeito o requisito legal, litisconsortes e sucessores poderão pessoalmente gozar da justiça gratuita.



Ticiano Alves e Silva é Mestrando em Direito Processual (UERJ). Especialista em Direito Processual Civil (UNIDERP-LFG-IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Editor do Portal Processual. Procurador do Estado (AM). Advogado.

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