sábado, 30 de julho de 2016

Senti saudade.

@rafaelaaaa:

Mediação e Conciliação no Novo CPC

Atualmente há um número muito excessivo de processos tramitando no judiciário, o que acaba acarretando em morosidade e ferindo os princípios da eficiência e duração razoável do processo. Com base nisso, a legislação atual tem buscado soluções mais rápidas e pacificas para os conflitos. O Código de Processo Civil de 2015 traz em muitos de seus artigos uma postura e cultura de autocomposição aos litígios. Dispõe o parágrafo 2º do artigo 3º, in verbis: “O Estado Promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”.

Essa cultura de autocomposição tem uma forma mais amigável para solução de conflitos, transformando a decisão unilateral do juiz em uma decisão bilateral das próprias partes litigantes. A resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça impõe a criação de centros de soluções de conflitos pelos tribunais e regulamenta a atuação dos mediadores e conciliadores.

Como bem esclarece o doutrinador Fredie Didier Jr.:

“Mediação e conciliação são formas de solução de conflito pela quais um terceiro intervém em um processo negocial, com a função de auxiliar as partes a chegar à autocomposição. Ao terceiro não cabe resolver o problema, como acontece na arbitragem: o mediador/conciliador exerce um papel de catalisador da solução negocial do conflito” (Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento – Salvador: Ed. Jus Podivm 2015, pag. 275).

Existe diferença entre a conciliação e a mediação. O conciliador tem um papel mais ativo no processo de composição entre as partes e é mais indicado nos casos em que as partes não tenham um contato prévio, conforme parágrafo 2º do artigo 165 do CPC de 2015, in verbis: “O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.”; já o mediador não oferece soluções, somente auxilia as partes atuando como um facilitador de diálogo para que elas encontrem a melhor solução para determinado problema, e por isso é mais indicado quando as partes já tem um contato prévio, como dispõe o parágrafo 3ª do mesmo artigo, in verbis:

“O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.”, portanto o mediador não atua diretamente no conflito, mas sim na causa. Em ambos os casos, é vedado ao terceiro, à imposição de um acordo.

A mediação e conciliação são regidas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia de vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada (CPC, art , 166). A independência rege o dever do conciliador e mediador de atuar com liberdade, sem sofrer qualquer pressão interna ou externa (CECMJ - Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais, art. 1º, § 5º); a imparcialidade é o dever de agir com ausência de favoritismo, preferência ou preconceito, não tendo nenhuma espécie de interesse no conflito (CECMJ, art. 1º, § 3º); a autonomia de vontade é o respeito a vontade das partes, por isso é proibido à imposição de acordo; a confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes (CPC, art. 166, § 1º); a oralidade e informalidade dão a este procedimento menos formalidade, devendo o conciliador e mediador comunicar-se em linguagem simples e acessível.

Ambos os procedimentos podem ser realizadas extrajudicialmente ou judicialmente, em câmaras publicas institucionais vinculadas a determinado tribunal ou em ambiente privado ou menos formal, em escritórios de advocacia por exemplo. As partes interessadas podem escolher, consensualmente, o conciliador, o mediador ou a câmara privada de conciliação e de mediação, (CPC, art. 168). É de extrema importância, que as partes sejam bem informadas, o consenso só pode ser obtido após a compreensão do problema e das consequências do acordo.

Salvo exceções, a audiência de conciliação ou mediação é a primeira etapa do processo comum, conforme dispõe o artigo 334 do CPC, in verbis:

“Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.”.

A audiência não será realizada em duas hipóteses: I – se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na autocomposição consensual; II – quando não se admitir a autocomposição (CPC, art. 334, § 4º). Portanto, somente se as duas partes, expressamente, manifestarem em desfavor da audiência é que ela não será realizada, se somente uma parte se manifestar contra e a outra em favor, a audiência será marcada. Nos casos de litisconsórcio, que possui pluralidade de sujeitos em um dos polos da relação processual, o desinteresse deve ser manifestado por todos os litisconsortes.

Diferente do procedimento sumário do CPC de 1973, o comparecimento às audiências passa a ser encarado como um dever ao invés de um encargo, o legislador impõe uma sansão pecuniária de até dois por cento do valor da causa para a parte que não comparecer injustificadamente à audiência, como dispões o parágrafo 8º, do já mencionado artigo 334, In verbis: “O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado”.

Sem dúvidas que a mediação e conciliação foram uma das melhores mudanças que o CPC de 2015 trouxe e que cada vez mais fará parte da rotina do judiciário, além de serem soluções mais rápidas, elas também trazem uma pacificação social e menos desgaste para as partes, sem contar que aumentando o índice de acordos nas audiências, reduzirá muito o numero de processos tramitando por anos no judiciário.

REFERÊNCIAS:

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 6ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 2016.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 17ª Ed. – Salvador: Editora Jus Podivm, 2015.

Queen - Don´t Stop Me Now

Na verdade praticamente todas as músicas do Queen são capazes de melhorar o dia em qualquer circunstância, mas Don´t Stop Me Now é tão revigorante que te deixa preparado para enfrentar qualquer abacaxi que apareça no caminho. 


sexta-feira, 29 de julho de 2016

Resenha da obra - Tempos Líquidos de Zygmunt Bauman

Resenha da obra - Tempos Líquidos de Zygmunt Bauman

Resenha da obra Tempos Líquidos - Por: José Igídio dos Santos [1]

                       O objetivo desta resenha é apresentar as principais ideias de Zygmunt Bauman descrita em seu livro Tempos líquidos. A caixa de ressonância para entendermos a obra é a insegurançacomo o fenômeno resultante da “vontade de liberdade”, que segundo o autor constitui a marca da chamada pós-modernidade, este princípio se oporá diretamente à projeção em torno de uma vida social estável, na ordem moderna. Por conta da globalização, nossa sociedade   é tida como um barco à deriva pois não tem mais a proteção do Estado ou, não se confia na “proteção” que este quer oferecer.  Submetida à pilhagem provinda de todas as esferas, e de muitas formas, a sociedade é submetida, dominada.  Com a análise desta obra procuraremos compreender os fenômenos sociais que nos cercam, visando interagir adequadamente com a previsibilidade para que não sejamos pegos de surpresa.

Palavras-chave: Insegurança. Vontade de Liberdade,  Globalização. Estado-Nação.

                   Bauman nasceu em Pozna, Polonia em 1925,  é  sociólogo. De descendência judaica, viveu o contexto  da invasão de seu país pelos nazistas em 1939,  quando sua família refugiou-se na União Soviética. Bauman serviu na Polish First Army, sob o controle dos soviéticos, período em que Baumam tomou parte nas batalhas de Kolberg e Berlin. De 1945 a 1953, ele serviu na Korpus Bezpieczestwa Wewnrznego (KBW), a unidade foi responsável pela repressão à resistência ucraniana e germânica. Neste momento de incertezas, iniciou seus estudos em sociologia na universidade de Varsóvia, onde posteriormente teve artigos e livros censurados e em 1968 foi afastado da universidade. Logo em seguida emigrou da Polônia, reconstruindo sua carreira no Canadá, Estados Unidos e Austrália, até chegar à Grã-Bretanha em 1971; se tornou professor titular da universidade de Leeds, cargo que ocupou por vinte anos. Responsável por uma prodigiosa produção intelectual, recebeu os prêmios Amalfi, em 1989, por sua obraModernidade e Holocausto, e Adorno, em 1998, pelo conjunto de sua obra. Atualmente é professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia.

                A percepção de mundo enfatizada por Bauman é realista e não propõe a “volta ao passado”, suas obras empregam alguns termos como “liquefação” ou “fluidez”   que metaforicamente procura caracterizar o acelerado processo de transição entre a modernidade e a pós-modernidade, que para o autor caracteriza a fase atual. Ao refletir acerca de eventos históricos relembra a frase “derreter os sólidos”, utilizada pelos autores do Manifesto Comunista, quando o espirito moderno apresentava-se como a salvação da sociedade que, de estagnada procurava resistir às próprias ambições, fator se que concretizaria quando da devolução do que era duradouro. Sem apego a tradição destrona o passado ou o aniquila desde a “profanação do sagrado” que revestido da armadura protetora forjada de crenças e lealdades que permitiam aos sólidos que resistissem à “liquefação”. Todavia, “o derretimento dos sólidos” abriu caminho para novos e aperfeiçoados sólidos (2001, p.9).

           Apresenta na obra uma sessão de derretimentos dos sólidos: primeiramente as lealdades tradicionais, os direitos costumeiros e as obrigações, tal investidura fragilizou a complexa rede de relações sociais, que ficaram impotentes face aos critérios de racionalidade mercadológica; esse elemento possibilitou a invasão e a dominação da racionalidade instrumental vinculada à lucratividade capitalista, pérola da economia, que livres dos ditames embaraçosos da política, da ética e da cultura; vive-se uma aparente autonomia, mas os modelos quebrados foram trocados por outro.

Neste momento da modernidade fluída os elos que entrelaçam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas só são possíveis se houver integração do indivíduo à marca da sociedade moderna, ou seja, afastando-o de modelos mecanizados ou fabris, símbolo da modernidade oriunda do derretimento dos primeiros sólidos, que apesar de conflitos internos, constitui sinônimo de segurança para o indivíduo, pois a “vontade de liberdade”,  segundo Bauman  é o elemento estrutural da modernidade líquida,  opondo-se à segurança construída por uma vida social estável, na ordem moderna.

               Na introdução de tempos líquidos[2], Bauman apresenta cinco desafios para o indivíduo no tempo presente. Primeiro ressalta que a passagem do estado “sólido” para o “líquido” na modernidade atinge as organizações sociais, estas não propiciam apenas escolhas individuais e práticas com rotinas e padrões de comportamento por meio da obsolescência, na verdade o indivíduo não consegue estabelecer critérios para conduzir seu projeto de vida individual. O segundo aspecto, apresenta o divórcio entre o poder e a política, enfatizando que o Estado moderno é absorvido pelo espaço global, fator que O incapacita de agir em vista de ação planetária ocupando-se da dimensão local.  No terceiro aspecto o autor apresenta que os laços inter-relacionais entre os seres humanos, se fragilizaram, pois, na modernidade não há mais tempo para a convivialidade, pois isto não é motivo para o investimento de tempo e esforço; as relações tornaram-se afeições temporárias, a sociedade tonou-se “rede” sem “estrutura”, e, é vista como “matriz de conexões e desconexões aleatórias” com incontáveis permutações. No quarto aspecto, Bauman relata “o colapso do pensamento, do planejamento e da ação a longo prazo” pois a sociedade enfraquecida em sua estrutura social não consegue prever com antecedência, existe em curso a “desconexão da história política e das vidas individuais” cujos projetos e episódios de curto prazo raramente combinam com os tipos de sequências em que os conceitos de “desenvolvimento”, “maturação” ou “progresso” deveriam impreterivelmente serem aplicados. Finalmente, o quinto aspecto, o fardo das responsabilidades que procuram resolver os dilemas gerados por circunstâncias voláteis e instáveis – esperando que estes indivíduos sejam free-choosers sustentando suas escolhas.

                  Na obra em questão a chave hermenêutica é o conceito de insegurança existencial, que para Bauman é originário da desregulamentação e enfraquecimento das relações humanas, erroneamente focadas na busca da liberdade. Na observância da sociedade o elemento da violência urbana fica negligenciado e reflete a expressão real do medo que atinge a maioria desprovida economicamente, impossibilitada de ter acesso a essa liberdade. É perceptível uma aporia entre os que podem desfrutar da liberdade e os que não, estes como estranhos que vivem nas metrópoles. Tal conflito causa a incerteza aumentando os riscos da vida individual.

                   No primeiro capítulo – “A vida líquido-moderna e seus medos” – Bauman salienta que:

se a ideia de ‘sociedade aberta’ era originalmente compatível com a autodeterminação de uma sociedade livre que cultivava essa abertura, ela agora traz à mente da maioria de nós a experiência aterrorizante de uma população heterônoma, infeliz e vulnerável, confrontada e possivelmente sobrepujada por forças que não controla nem entende totalmente. (2007, p. 13)

E ainda:

(...) a nova ordem, como no derretimento dos primeiros sólidos, necessita derrubar qualquer resistência que impeça o seu avanço. Sendo assim, “as pressões voltadas à perfuração e à quebra de fronteiras, comumente chamadas de ‘globalização’, fizeram seu trabalho. (2007, p. 12)

               Afeito ao processo de globalização em que a livre concorrência de mercados e capitais ocorre sem limites de fronteiras, os acontecimentos são veiculados de forma célere.  Nesta ótica Bauman afirma que há incertezas objetiva e subjetivamente de modo que o bem-estar nunca é inocente em relação à miséria de outro. Tal constatação leva o autor a inferir que o indivíduo pós-moderno comunga desta vulnerabilidade por meio da sensação de insegurança, de medo.

         Contudo, na ordem econômica Bauman, afirma que no capitalismo comercial o espirito da exploração e do acumulo do capital é fruto da insegurança e do medo (Bauman, 2007, p. 18), possivelmente estamos diante de um robusto e resistente sólido – a ordem econômica – que se retroalimente de sua própria insegurança e medo. Associado a isto está a liquefação do Estado-nação, incapaz de responder aos desafios globais. Ressalta ainda que o processo informacional propõe que o planeta seja uma “autoestrada da informação”, que potencialmente coloca em evidencia tudo o que está do “lado de fora”. Face a insegurança em relação à função do Estado, se instaura a dinâmica da desconfiança institucional pela sua in(capacidade) de forças e domínio, indefeso se evapora no espaço global, mesmo no âmbito do astuto e prodigo exercício da política, tanto para o homens como para as mulheres.

               Se a função do Estado fosse reduzida, não passaria de um Estado de proteção pessoal. Na perspectiva de Bauman a dimensão do “planeta negativamente globalizado”, só é possível resolver de forma global com perspectiva de solução local. Se vivemos no mundo “impregnado de injustiças” à população de bilhões de pessoas é negada a dignidade humana e muitos corrompem-se acerca dos valores que antes defendiam. Destarte, democracia e liberdade assume caráter global não está mais segura apenas em um país ou em blocos de países, o autor enfatiza que o medo é uma das faces dos demônios encarnados nas sociedades abertas de nossa época. De outra forma, alerta o autor, que a insegurança do presente e a incerteza do futuro, produzem e alimentam o medo mais arrepiante e insuportável, introjetando nos indivíduos o sentimento de impotência individual.

                       No capítulo segundo, intitulado “A humanidade em movimento”, Bauman aprofunda a reflexão sobre aspectos da globalização e do enfraquecimento da soberania do Estado-Nação, a partir de dados reais acerca do aumento de refugiados em diversas áreas do planeta, ferida que assola os que habitam em terras dos retardatários chamados “países em desenvolvimento”, a enorme quantidade de vítimas da globalização (sem teto e sem Estado) cresce assustadoramente impossibilitando o planejamento, a instalação e a construção de zonas de contenção desses refugiados. Bauman apresenta a guerra, na globalização, como um dos efeitos da desregulamentação.              

          Neste contexto, ser refugiado desenraiza o sujeito em sua existência social, dificultando aspectos essenciais do seu cotidiano – terra, casa, aldeia, cidade, país, posses, empregos e outros aspectos de referência cotidiana. Com a vida marginalizada estes se encontram na condição de “vida indefesa, e requerem apoio de ações humanitárias”. Ressalta ainda, como ponto não menos importante e igualmente preocupante o excedente populacional nos países tomados por guerrilhas, gangues de criminosos e traficantes de drogas, que em seus conflitos aniquilam e reabsorvem o “excedente populacional”. Apresenta no texto, que o Estado precisa redefinir sua missão – quando recua no cenário econômico, em vista de reduzir os encargos sociais, à ampliação e reforço da sua intervenção penal, retalhando as “membranas assimétricas” que se “protegem contra o ingresso indesejado do outro lado.


                   No capítulo terceiro,  Bauman enfatiza que o sofrimento humano é fruto de uma tríade de causas, a saber: o poder superior da natureza seguida do respeito à fragilidade de nossos corpos; e pôr fim a inadequação dos regulamentos que ajustam as relações dos seres humanos na família, no Estado e na sociedade. Bauman apud Castel, atribui à individualização moderna a responsabilidade por esse estado de coisas; sugere que a sociedade moderna, tendo substituído as comunidades e corporações estreitamente entrelaçadas, que no passado definiam as regras de proteção e monitoravam sua aplicação, pelo dever individual do interesse, do esforço pessoal e da auto-ajuda, tem vivido sobre a areia movediça da contingência. (2007, p. 63)

            Para Bauman, a segurança e a proteção das pessoas e suas propriedades são fatores indispensáveis à luta efetiva ao direito de participação política, desde que na forma da lei se torne benéfica aos seus beneficiários. Entretanto, o autor faz uma ressalva: por intermédio dos direitos políticos se busca enraizar e solidificar as liberdades pessoais assentadas no poder econômico, raramente se garantirá liberdade pessoal aos despossuídos, por não ter esse direito formal e realmente, sem o qual, não é possível o desenvolvimento, sem que a “democracia” seja um assunto elitista. Realmente os direitos políticos dão segurança às pessoas fazendo-as crer que são possuidoras dos direitos pessoais, desde que haja integração deste aos direitos sociais, condição necessária para que os direitos políticos não sejam uma utopia, uma ficção ou uma piada cruel aos que foram concedidos apenas a letra da lei. Assim sendo, “a liberdade de escolha é acompanhada de imensos e incontáveis riscos de fracasso” (2007, p. 71).
                No quarto capítulo o autor nos ajuda a refletir acerca da  dicotomia social vivida nas grandes cidades. A partir dos estudos de Castells (1989) constata que há uma polarização e distanciamento acentuado entre os mundos de duas categorias de habitantes: os da camada superior,conectados à comunicação global e vasta rede de intercâmbio, aberta a mensagens e experiências que envolvem o mundo inteiro; e do outro lado na extremidade, os da camada inferior, ligados às redes locais segmentadas, frequentemente de base étnica, que procuram firmar sua identidade como recurso de defesa de seus interesses e, em última instância, de sua existência. Os primeiros não pertencem ao lugar que habitam, vivem como se numa estratosfera; além da solidão e demasiada preocupação em proporcionar espaços para passatempos, não têm interesse empreendedor em sua realidade onde se localizam suas residências. O segundo grupo,  embora tenha muita dificuldade estrutural são moradores da cidade e agem de forma oposta aos primeiros.

                    Os cidadãos urbanos da camada inferior são ‘condenados a permanecer locais’. Para eles, é dentro da cidade que habitam que a batalha pela sobrevivência, e por um lugar decente no mundo, é lançada, travada e por vezes vencida, mas na maioria das vezes perdida. (2007, p. 81).

            Com a percepção da mobilidade dos contemporâneos. Bauman caracteriza o desejo de isolamento que os de camada superior almejam: morar em “condomínio” que são localizados na cidade mas, desconectada social e espiritualmente, criando assim uma barreira com os que são considerado socialmente inferiores. Os muros estabelecem uma dicotomia entre os de “dentro” e os de “fora” para uma realidade que deveria ser uniforme. O objetivo da criação da cidade -  fornecer proteção a todos os seus habitantes -  carece de abrigo e segurança. O processo de individualização da modernidade líquida nos confronta e exige de nós compreender a alteridade, esta é impossível sem o diálogo para certificar as reais intenções dos interlocutores.

                 Ao finalizar a obra, Bauman nos estimula a buscar a utopia diante das incertezas do mundo contemporâneo. Ter o foco nesta utopia, nos faz crer que o mundo incerto, precisa encontrar o caminho para a integração, de acordo com os sonhos dos utopistas. Isso requer capacidade de sentir uma indignação irresistível para consertar o mundo por meio de uma revisão completa. E ainda, confiar na capacidade humana de operacionalizar esse empreendimento observando que “nós, podemos fazê-lo”, racionalmente a partir de critérios éticos, de modo que cada um seja capaz de estabelecer os princípios norteadores de sua conduta no mundo substituindo aquilo que está doente, capacitando-o a partir da realidade humana.


                 A criatividade de apresentar três metáforas que relacionadas entre si possibilita ao leitor a descoberta de seu papel no mundo. A primeira relacionada a experiência do autor nos momentos de guerra sobre o guarda-caça, que visa proteger e preservar a terra de toda interferência humana. A outra fala do jardineiro, ressaltando sua habilidade de cuidar e cultivar de forma permanente o canteiro do mundo. Tanto a metáfora do guarda-caça, como a do jardineiro catalisam a autoridade própria aos Estados-Nações. A metáfora do caçador, completa essa tríade e apresenta-o como o matador, que não se preocupa com o “equilíbrio” geral “das coisas”, seja ele “natural” ou planejado e maquinado, visa apenas obter o lucro por meio das bolsas, com o “sangramento” das veias em busca de   produtos da globalização e enfraquecimento do Estado-Nação, pois este grupo é representado pelos mais abastados.

               Portanto, ler Tempos Líquidos de Bauman ajuda-nos a constatar elementos significativos para o avanço das ciências humanas e sociais, aguçando nossa análise reflexiva acerca da possibilidade de resgate do Estado-Nação neste contexto de globalização.

Bibliografia

BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.


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[1]  Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia, Psicopedagogo. Docente na Rede Estadual de São Paulo (SEESP), Serviço Social da Indústria (SESI-SP) e na Faculdade de Educação, Ciências e Artes Dom Bosco (FAECA), Monte Aprazível-SP, Especialista em PIGEAD – Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância – pela Universidade Federal Fluminense – UFF-.RJ e Tecnólogo Superior em Gestão Pública pela IFSC – SC – polo Jales-SP.
[2] BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos / trad. Carlos Alberto Medeiros. - Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 2007.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Felicidade ou morte?

Tá aí um vídeo que vale a pena ser assistido. Diante da febre dos "youtubers" eu nutro um sentimento ruim, o da inveja, pois vejo cada vídeo idiota com milhões de visualizações e tais youtubers ganhando rios de dinheiros (dentro e fora do youtube). É claro tem muito material de qualidade e às vezes um vídeo cômico faz bem para alma. Mas, autolá! Não o tempo todo. Ouvi esses dias um termo interessante "idiotização", será que essa geração de jovens está nesse processo? 

Enfim, falei demais, aproveitem o debate/palestra desses dois gênios:

Clóvis de Barros Filho e Leandro Karnal


terça-feira, 26 de julho de 2016

INTERVENÇÃO FEDERAL



Breves comentários


Lembrando que a IF (Intervenção Federal) é um mecanismo de defesa da federação e é excepcionalíssima.


Princípios norteadores:


- Princ. Da não intervenção;


- Princ. da Necessidade; (Art. 34 e 35 - hipóteses taxativas)


OBS.: Desde 1967 o Brasil não adota intervenção federal.


Assim temos:


Intervenção da União em Municípios (Territórios ) - Art. 35 União -


Intervenção do Estado (GO) no Distrito Federal Art. 34


Intervenção dos Estados nos Municípios Art. 34 (intervenção estadual)


OBS II:


-Não há previsão constitucional de intervenção da União em município de estado.


- Até o presente o momento não existem territórios no Brasil, que deverão ser criados por meio de Lei Complementar que poderão se dividir em municípios (Art. 33 CF)


- Distrito Federal (é um ente federativo anômalo - não confunda com Brasília), assim não poderá decretar intervenção em qualquer ente. (Art. 32 CF - não pode se dividir em municípios)


OBS III Art. 84, X O decreto interventivo é privativo do PR (Presidente da República)


MODALIDADES DE INTERVENÇÃO


Intervenção Espontânea


Art, 34 de I a III e V O Presidente não precisa de provocação externa.


Ex.: Longa greve da polícia militar.


Intervenção Provocada

Art. 34 IV, VI e VII Depende de provocação.


Combinado com os pressupostos formais do art. 36 CF temos:


Art. 34 IV c/c Art. 36, I : Solicitação do Poder Executivo ou Legislativo ou requisição do Poder Judiciário.


Art. 34 VI (parte I) c/c Art. 36, III (parte II): Prover a execução de Lei Federal;


Art. 34, VI ( Parte II) c/c Art. 36 II - Prover ordem ou decisão judicial (Art. 36, II)


Art. 36 VII c/c Art. 36, III (parte I): ADI Interventiva Federal.


O PGR representará (ADI) ao STF, que aceitando o pedido, determinará ao PR (Presidente da República) para que suspenda o ato impugnado.


Caso essa medida não seja suficiente para suprir a ordem o STF determinará que seja decretada a intervenção.


Trata-se de Ação de Controle Concentrado Concreto - equilíbrio federativo. (pacto federativo), não trata-se de defesa pura da Supremacia da Constituição.


Art. 36 Controle Político (§§ 1º, 2º e 3º)


Vejamos o art. 49, IV CF que prestigia o conceito de checks and Balances.


Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
 [...]

IV - aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas;


Lembrando que Art. 36, VII, encontramos o Princípios Constitucionais Sensíveis.


DICAS DE LEITURA DA CF:


Poder Judiciário Arts. 93 a 100

Funções Essenciais a Justiça Arts. 127 a 134

Estado de Defesa e Estado de Sítio Arts. 136 a 141

Competência do STF Art.. 102, I

Competências STJ Art. 105, I Ordem Econômica Art. 170


Por Roldan Alencar

PRINCÍPIOS SENSÍVEIS X EXTENSÍVEIS E ESTABELECIDOS

Tema importantíssimo e recorrente em provas:


Princípios sensíveis (também chamados de princípios apontados ou enumerados) são aqueles previstos no art. 34, VII da Constituição Federal:


Art. 34 A União não intervirá nos Estados nem no Distrito   Federal, exceto para:
                 [...] 

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
                a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;                       b) direitos da pessoa humana; 
                c) autonomia municipal;
                d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
                e)  aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos                              estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na                                  manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços                            públicos de saúde.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)


         Representam a essência da organização constitucional da federação brasileira e estabelecem limites à autonomia organizatória dos Estados-membros. Como assevera Pontes de Miranda, princípios sensíveis são aqueles cuja inobservância poderá acarretar Intervenção Federal através de representação do Procurador Geral do República ao STF. 

Exemplo: A violação de direitos da pessoa humana (como violência grave em presídios) autoriza uma ADIN Interventiva Federal (Art, 36, III) que será julgada no STF que poderá determinar ao Presidente da República decretar a intervenção. (caso se omita responderá por crime de responsabilidade)

Resumo: Art. 34 VII c/c Art. 36, III, parte I (ADI Interventiva Federal)

       No caso da alínea e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde, devemos nos atentar a lei específica (12.562/11)


    Princípios constitucionais extensíveis: são aqueles princípios que consagram normas organizatórias destinadas à União, mas que se estendem aos Estados. 

Ex: normas sobre eleição para governador e Vice-governador (art. 28 observado o art. 77); normas sobre a organização, composição e fiscalização do TCU aos Tribunais de contas estaduais (art. 75);

Princípios constitucionais estabelecidos: consagrados de forma assistemática ao longo do texto constitucional e limitam a capacidade organizatória dos Estados Federados. 

Para identificá-los, necessária uma interpretação sistemática. Ex: art. 37 a 41 (norma de limitação expressa mandatória); art. 19 (norma de limitação expressa vedatória);


ESTADO DE DEFESA E ESTADO DE SÍTIO: ART. 136


Bom no estado de DEFESA o presidente DECRETA o estado (D = D) e depois comunica ao congresso.


No estado de SÍTIO o presidente SOLICITA autorização para decretar ao congresso. S = S


O estado de sítio vem depois do estado de defesa, portanto é mais grave ( no alfabeto S vem depois de D)



Inventário! Importantes alterações do direito das sucessões trazidas pelo novo CPC

O novo CPC, em vigor desde 18 de março de 2016, trouxe diversas alterações ao procedimento especial de inventário e partilha, agora previsto nos arts. 610 a 673.

A novel legislação manteve a possibilidade de realização de inventário e partilha extrajudicialmente, por meio de escritura pública, quando o de cujus não tenha deixado testamento e as partes forem maiores, capazes e concordes, conforme disposto no art. 610, §§ 1º e 2º. Esta escritura será hábil para qualquer ato de registro de bens, o que já era previsto no CPC/73, bem como para levantamento de ativos financeiros em instituições bancárias, previsão trazida pela nova lei no art. 610, § 1º.

Não sendo possível a lavratura de escritura, pela inexistência de consenso entre os sucessores ou caso algum deles seja incapaz, aplicam-se as regras do rito ordinário do novo Código para regularização da sucessão, cujas principais alterações seguem abaixo destacadas.

a) Foro de processamento do inventário

A primeira inovação deste rito é referente à abertura e processamento do procedimento, eis que o art. 48 determina que “o foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro”.

Anteriormente, o CPC de 1973 já previa como competente o foro de domicílio e, também, o da situação dos bens ou da situação do óbito. Agora, independentemente do local do óbito, apenas se o autor da herança não possuir domicílio certo é que prevalecerá o foro de situação dos imóveis (art. 49, parágrafo único, I). Se forem diferentes foros, qualquer destes (inciso II) ou, em última hipótese, se existirem diversos bens, o local de quaisquer deles (inciso III).

A incompetência de foro deverá ser arguida em preliminar de primeiras declarações, com fundamento no art. 64, que determina essa regra para a Contestação, aplicada ao procedimento de Inventário, por analogia. Caso contrário, esta competência relativa será prorrogada (art. 65).

b) Legitimados para requerimento de abertura de inventário

Os legitimados para requerer a abertura do inventário permanecem os mesmos, conforme previsão dos arts. 615 e 616, com a inserção apenas do companheiro supérstite (art. 616, I), seguindo a regra de adequação geral da nova legislação no que diz respeito aos companheiros.

Contudo, foi suprimida a regra de que o Juiz poderia abrir o inventário de ofício, anteriormente prevista no art. 989. Desta forma, somente os legitimados do art. 616 ou os interessados patrimonialmente poderão requerer a abertura do procedimento.

c) Citação dos sucessores

O art. 626, que determina a citação do cônjuge, companheiro, herdeiros e legatários para se manifestarem sobre as primeiras declarações, inovou em seu parágrafo primeiro e agilizou o procedimento, ao determinar que as citações de todos deverão ocorrer pelo Correio, por meio de carta de intimação. A citação por edital só ocorrerá para ciência dos “interessados incertos ou desconhecidos”.

No CPC de 1973, equivocadamente só eram citadas as “pessoas domiciliadas na comarca por onde corre o inventário ou que aí foram encontradas”, e todas as demais por edital.

Além disso, a Fazenda Pública, o Ministério Público e o testamenteiro serão intimados das primeiras declarações (art. 626), e não citados, como era previsto anteriormente (art. 999/CPC1973), uma vez que não são partes, mas sim interessados.

d) Inventariante

O art. 617 reproduziu a ordem legal que deverá ser observada pelo Juiz ao nomear o inventariante. Porém, a novidade trazida foi a possibilidade do herdeiro menor, representado ou assistido, e os cessionários do herdeiro ou legatário, serem nomeados inventariantes (art. 617, IV e VI). Na primeira hipótese, o legislador preocupou-se com os casos em que todos os herdeiros forem menores, dando efetividade ao procedimento.

Acerca da ordem obrigatória de nomeação de inventariante, como bem pontuou a Professora ANA LUIZA NEVARES, “não parece, no entanto, que a expressão mencionada direcione o intérprete para uma ordem obrigatória quanto à nomeação do inventariante. Por suas funções já expostas, o inventariante é uma figura central no processo de inventário, razão pela qual sua nomeação deve ser norteada pela idoneidade do nomeado, por aquele que melhor represente os interesses do espólio e do regular desenvolvimento do processo, considerando ainda o grau de litigiosidade entre os herdeiros, bem como a natureza dos bens inventariados”1.

Além disso, a inclusão dos atos dispositivos trazidos ao processo civil, com a possibilidade de realização de negócios processuais (art. 190), deu autonomia às partes também no inventário, eis que os sucessores poderão acordar amigavelmente quem será o inventariante, independentemente da ordem legal estabelecida no art. 617.

Uma das poucas possibilidades de incidentes processuais no novo Código é a remoção/destituição de inventariante, prevista nos arts. 622 a 625, que deverá ser autuada em apartado, assegurando a ampla defesa e o contraditório, com apresentação de defesa no prazo de 15 dias. A considerável inovação, neste aspecto, é a fixação de multa pelo Juiz, a ser paga pelo inventariante removido/destituído, quando deixar de restituir a posse de todos os bens do monte-mor, em quantia não superior a 3% do valor dos bens inventariados (art. 625).

e) Tutela de evidência – antecipação de uso e fruição de bens

Um dos mais importantes regramentos é a possibilidade trazida pelo parágrafo único do art. 647, que permite ao Magistrado deferir antecipadamente aos herdeiros o direito de usar e fruir de determinado bem, contanto que, ao término do inventário, tal bem integre a cota deste herdeiro, o qual se responsabilizará pelos ônus e bônus inerentes à conservação deste bem. Tal regra concretiza a tutela de evidência em hipótese especial, criada pelo novo Código, antecipando o resultado prático do processo de inventário.

Tal antecipação é também permitida aos legatários, conforme entendimento dos enunciados 181 e 182 da Carta de Belo Horizonte de dezembro de 2014 (IV Encontro Permanente de Processualistas Civis).

A decisão é considerada interlocutória e deverá ser atacada por agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único).

f) Bens insuscetíveis de divisão

Uma regra anteriormente prevista no capítulo das alienações judiciais, foi trazida para dentro do procedimento do inventário, buscando uma divisão cômoda dos bens, ao dispor, no art. 649, que “os bens insuscetíveis de divisão cômoda que não couberem na parte do cônjuge ou companheiro supérstite ou no quinhão de um só herdeiro serão licitados entre os interessados ou vendidos judicialmente, partilhando-se o valor apurado, salvo se houver acordo para que sejam adjudicados a todos”.

Estas três possibilidades observam o art. 648, o qual determina que na partilha deverão ser observadas as seguintes regras: “I - a máxima igualdade possível quanto ao valor, à natureza e à qualidade dos bens; II - a prevenção de litígios futuros; III - a máxima comodidade dos coerdeiros, do cônjuge ou do companheiro, se for o caso”. Tal inovação expressa o que já vinha sendo interpretado pelo art. 2.017 do Código Civil (“no partilhar os bens, observar-se-á, quanto ao seu valor, natureza e qualidade, a maior igualdade possível”).

Esta solução busca evitar litígios que o condomínio geralmente acarreta, fazendo com que a partilha preveja a divisão completa e equânime de todo o acervo.

g) Arrolamento Comum e Sumário

Quando a herança for de pequeno valor (em novo limite agora estabelecido, qual seja, igual ou inferior a 1.000 salários mínimos), o inventário proceder-se-á sob o rito do arrolamento comum (arts. 664, 665 e 667).

Inovou a legislação ao consagrar a efetividade do processo e possibilitar que, ainda que haja interesse de incapaz, tal procedimento será adotado excepcionalmente, desde que as partes e o Ministério Público estejam de acordo com a partilha (art. 665).

Contudo, para o arrolamento sumário (independente de valoração), nao pode haver conflito e todas as partes envolvidas devem ser capazes e inexistir conflito (art. 659). A inovação trazida pelo art. 659 é que, agora, somente neste caso de arrolamento sumário, a partilha amigável será homologada (ou os bens adjudicados ao único herdeiro) anteriormente ao recolhimento do imposto de transmissão causa mortis. Após a expedição do formal de partilha ou da carta de adjudicação, a Fazenda Pública será intimada para providenciar o lançamento administrativo do imposto, fora do processo. Tal regra excepcionou o art. 192 do Código Tributário Nacional (“nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio, ou às suas rendas”), mas manteve a regra de que o Fisco não ficará adstrito aos valores atribuidos aos bens no Inventário, conforme destacado no art. 662, § 2º.

h) Colação

A mais polêmica alteração relativa às sucessões é a valoração dos bens trazidos à colação. O art. 1.014 do Código de Processo Civil de 1973 determinava que “os bens que devem ser conferidos na partilha, assim como as acessões e benfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão”.

Porém, com a vigência do Código Civil em 2003, entendeu-se pela revogação da disposição processual, em razão das regras do direito intertemporal, e passou-se a conferir o valor do bem trazido à colação no ato da liberalidade, eis que o seu art. 2002 dispôs que “os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação”, e o art. 2.004 salientou que “o valor de colação dos bens doados será aquele, certo ou estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade”.

Revertendo a positivação do Código Civil, a recente legislação processual manteve a disposição anterior e dispôs que: “os bens a serem conferidos na partilha, assim como as acessões e as benfeitorias que o donatário fez, calcular-se-ão pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão” (art. 639, parágrafo único). Se mantido o mesmo entendimento da doutrina civilista, de aplicação da regra do direito intertemporal, ocorrerá um retrocesso com a aplicação do art. 693, pois, ao reproduzir o texto do CPC anterior, em contradição ao art. 2.004 do Código Civil, modificou-se novamente o instituto da colação.

Note-se que, se o donatário, na abertura da sucessão, ainda possuir tal bem em seu patrimônio, tal aplicação poderá lhe ser favorável na hipótese de desvalorização, como é o caso dos veículos, pois o valor trazido à colação será menor e terá ampliado o seu quinhão relativo aos demais bens. Quando se tratar de bem imóvel, por exemplo, em que na maior parte das vezes ocorre valorização, a disposição da lei processual será mais prejudicial ao donatário.

Conforme entendimento da Professora CLAUDIA ELISABETE SCWERZ CAHALI, “é razoável sustentar que a melhor solução para resolver a antinomia seria entender que o valor do bem colacionado é aquele à época da liberalidade, atualizando-se até a sucessão (na mesma data em que os demais bens serão considerados), conferindo-se rendimento a ambos os dispositivos legais”2.

Pode-se perceber pelas alterações acima mencionadas que o Novo Código de Processo Civil buscou dar celeridade ao rito do inventário, assegurando, inclusive, uma maior participação dos herdeiros incapazes, seja em sua nomeação como inventariante, seja pela possibilidade de adoção do arrolamento comum.

Ademais, a máxima de resolução consensual dos conflitos e a tutela de evidência foram trazidas expressamente para o procedimento de inventário, o que beneficia a justa e efetiva partilha e a satisfação dos jurisdicionados.

Fonte: Migalhas

Gratidão

Ser grato às coisas ao seu redor te faz viver mais leve, mais contente, te faz querer mais, dar mais ao invés de só cobrar. E isso é inevitável em qualquer relação, quanto mais você dá, mais você recebe em troca. (Gabriel Goffi)

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Que tal estudar escutando Mozart?


Viúvo(a) de titular de 'LOAS' pode ter direito à Pensão do cônjuge

| Por Renata Silva & Felipe
Advogada & Consultora Especialista em Direito Previdenciário


   Sim viva de titular de LOAS pode ter direito Penso do cnjuge
Primeiramente, o que vem a ser a LOAS? Bem, tecnicamente falando, é a denominada Lei Orgânica da Assistência Social. Por sua vez, o que viria a ser o LOAS? Na verdade, sob o aspecto técnico, para os mais “preciosistas”, seria incorreto o uso do artigo “o” neste caso, entretanto, nos referimos, por cultura e costume popular, ao termo LOAS como significado de benefício, o que não vejo como nenhum absurdo gramatical, muitos professores de direito previdenciário, inclusive, fazem isso, com muita naturalidade e sem peso na consciência, diga-se de passagem.

Esse benefício existe em duas formas: Benefício Assistencial ao Idoso (espécie 88), e Benefício Assistencial ao Deficiente (espécie 87). O BPC (Benefício de Prestação Continuada) ao idoso é pago àqueles – homem e mulher – que completam 65 anos de idade, e a a renda familiar (somando-se as pessoas da casa: cônjuge, filhos, irmãos –solteiros/menores/inválidos–, pais, etc), seja inferior a ¼ do salário-mínimo por pessoa do grupo familiar. (critério legal: § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93). Mas o que isso quer dizer? É o seguinte, atualmente ¼ do salário-mínimo resulta em R$ 220,00 (R$ 880,00 / 4). Isso quer dizer que, se você somar a renda das pessoas que compõem o grupo familiar e dividir pela quantidade do número desses integrantes, resultar numa soma inferior ao valor citado, então você pode vir a ter direito ao 'LOAS', ou BPC (como preferir).

Judicialmente, este critério já está superado e ultrapassado, e em muitos casos, pessoas cuja renda familiar ultrapassa esse limite, costumam ter o direito ao benefício reconhecido pelos magistrados (critério jurídico: proveniente dos R. Ext. Nº 567.985 e 580.963 c/c Reclamação nº 4.374 – STF). Mas para isso, não se esqueça, é necessário uma ação judicial!

Fora isso, o interessado precisa ainda ter pelo menos 65 anos de idade, e não ter nenhuma outra renda de subsistência, ou, ser portador de uma doença que lhe incapacite para o trabalho. Se você se enquadrou nessas regrinhas, vá até o INSS peça um Formulário de Requerimento e outro de Composição de Grupo Familiar, preencha direitinho com as informações solicitadas, e agende o Requerimento Assistencial. No dia e hora marcados leve tudo preenchido, e ainda Identidade, Carteira de Trabalho, e Comprovante de Residência, relativos à sua pessoa e daquelas citadas nos formulários. É possível ainda retirar os formulários no site da previdência.

Mas vamos ao ponto principal do nosso artigo: Todos sabem que o BPC não é um benefício previdenciário, mas sim um benefício da assistência social, na verdade, o LOAS é como se fosse uma espécie de 'Bolsa Família do Idoso e do Deficiente'. Acho que agora ficou mais fácil de entender. Consequentemente, se ele não é um benefício previdenciário, quando o seu titular falece, ele não vai gerar direito a pensão por morte, pois, sendo a pensão por morte um benefício previdenciário, o seu fato gerador tem que advir de uma causa e um motivo previdenciário. Assim, a princípio, quando o “dono” de um benefício da LOAS falece, o seu cônjuge fica desamparado, não herda o direito à pensão, e costuma passar muitas dificuldades, pois, acostumou-se a viver com uma renda que agora não terá mais.

Mas como resolver isso? Como fazer com que a viúva de um titular de LOAS receba uma pensão com o seu falecimento? Muita gente não sabe disso, mas o titular de um LOAS pode contribuir com o INSS. É isso mesmo! logicamente que ele não pode recolher como contribuinte individual (autônomo), empregado ou avulso, pois, essas atividades pressupõem trabalho e renda, e, pra variar, o parâmetro mínimo de recolhimento da Previdência Social é justamente o salário-mínimo (o que significará para o INSS que você aufere esse valor como rendimento laboral), de modo que, se o titular de um BPC obtiver rendimentos nesses parâmetros, hipoteticamente, perderá o direito ao seu benefício, uma vez que tal circunstância enseja uma irregularidade, passível de cobrança de todos os valores já recebidos.

Entretanto, o titular de um LOAS pode contribuir como “segurado facultativo”, e por efeito, gerar direitos previdenciários a si e aos seus dependentes! Exatamente isso que você ouviu! Você pode solicitar um Requerimento de Inscrição de Atividade e preenchê-lo solicitando, com fulcro no art. 11, § 1º, inciso V do Decreto 3048/99, sua inscrição na modalidade de segurado “facultativo”, vez que não exerce nenhuma atividade de vinculação obrigatória ao RGPS.

Após isso, pode inclusive fazer a opção pelo Plano Simplificado, no percentual de 11% (cuidado! Os códigos 1163 e 1007 referem-se ao segurado contribuinte individual/autônomo, e se você, titular de LOAS, os utilizar, ainda que por equívoco, vai dar uma confusão daquelas!)

Após feita a inscrição, peça a emissão da primeira GPS (guia) e comece a pagar mensalmente. Alguém, pode questionar: mas da onde você está tirando dinheiro para contribuir se não tem renda? Bem, você pode muito bem, fazer um sacrifício, tirar esses 11% da renda do seu LOAS, e pagar o INSS, sacrifício esse em nome do amor, o amor de não ter que imaginar o seu amado cônjuge passando por dificuldades, no caso de “vier a faltar” (como costumam dizer os mais simples…)

Fazendo isto, quando da ocorrência de algum infortúnio, é certo que não haverá 'transferência do LOAS' para o (a) viúvo (a), sendo que, na verdade, o que ocorre é que, o benefício de amparo será cessado, e com base nas contribuições de facultativo, você terá mantido a qualidade de segurado do RGPS, e consequentemente, o seu cônjuge herdará o direito à pensão.

Importante estar atento para o fato de que as MP's 664 e 665 mudaram muita coisa recentemente, de modo que, atualmente, a regra da pensão é que, antes do fato gerador o instituidor da pensão deva ter pelo menos 18 meses de carência recolhidos ao INSS, e a União ou Casamento tenha duração de pelo menos 02 anos.



Relatório mostra que conflito de terras indígenas no MS remonta aos anos 1950

O Relatório Figueiredo, produzido em 1967 e redescoberto recentemente, já descrevia detalhadamente os conflitos agrários em terras indígenas que atualmente são base da violência no campo registrada no Mato Grosso do Sul. 

O documento aponta que nas duas comissões parlamentares de inquérito, que funcionaram em 1955 e em 1963, terras indígenas eram arrendadas ou vendidas, com aval do Estado, responsável por emitir os títulos. 

A primeira CPMI, em 1955, funcionou com o objetivo de anular a doação de terras feitas pelo governo do antigo Mato Grosso. A segunda, em 1962, tinha o objetivo de apurar irregularidades no extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Esse foi o contexto que motivou a expedição realizada pelo procurador Jader Figueiredo, que produziu o relato de 7 mil páginas que inclui o roubo de terras indígenas, tortura e extermínio de tribos inteiras no Brasil durante o período da ditadura militar:

“O que estamos vendo acontecer agora no Mato Grosso do Sul é reflexo do que foi feito pelo Estado sobre terras indígenas”

comentou o pesquisador Marcelo Zelic, coordenador do projeto Armazém Memória, vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais. Foi Marcelo Zelic quem encontrou o Relatório Figueiredo no Museu do Índio, no Rio de Janeiro

O documento, que se julgava ter sido destruído em um incêndio no Ministério da Agricultura, em junho de 1967, relata métodos cruéis de tortura praticados contra índios com o apoio do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão criado em 1910, quando várias frentes de expansão para o interior do País promoviam um verdadeiro massacre da população nativa que resistia ao chamado “avanço da civilização”. 

A informação de que o documento não havia sido destruído foi revelada em abril, pelo jornal O Estado de Minas. Loteamento Para Zelic, o relatório contém um conjunto probatório sobre a espoliação de terras no Mato Grosso do Sul. Além dos depoimentos das CPIs, o relatório detalha também como famílias que se tornaram tradicionais no campo se apossaram de terras indígenas. 

No caso da Colônia Tereza Cristina, por exemplo, o Relatório Figueiredo contém um mapa da área desenhado pelo marechal Cândido Mariano da Silva Rondon no qual consta o nome das famílias que teriam ficado com cada pedaço de terra. 

Outro documento importante constante no relatório é o pedido feito pelo Estado do Mato Grosso em 1966 (portanto bem antes da divisão entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), para explorar a área “para efeito de colonização estadual e aproveitamento de manancial energético”. 

Há também no relatório, inquéritos militares para a apuração de venda ilegal de terras indígenas nos quais agentes públicos eram os acusados. Outras provas da apropriação de terras indígenas também estão nas cópias do Diário da Justiça, anexado ao relatório, que aponta nome de pessoas que se apropriaram de terras indígenas no Estado. 

O SPI era ligado ao Ministério do Interior e funcionou até 1967, quando foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). O documento leva o nome de seu autor, o procurador Jader de Figueiredo Correia, que morreu em um acidente de ônibus em 1976, aos 53 anos e aponta que o órgão que seria responsável por proteger os índios das violações deu aval para a violência cometida pelas chamadas “frentes civilizatórias”. 

Temor de retrocesso O pesquisador Marcelo Zelic teme que atitudes do governo como a de começar a ouvir as pastas da Agricultura e Desenvolvimento Agrário e Combate à Fome nos processos de demarcações de terras indígenas representem uma mudança de rumo na política indigenista no Brasil. 

Em depoimento na audiência pública realizada no Senado sobre o relatório, Zelic considerou a mudança um retrocesso:

“Retornar a questão da demarcação das terras indígenas e as políticas públicas voltadas aos índios à esfera de influência do Ministério da Agricultura é um enorme retrocesso civilizatório. E é um retrocesso porque, de fato, as barbaridades que se relatam ali, no Relatório Figueiredo, foram monstruosas”

   Destacou:

 “O Ministério da Agricultura, como já mostrou a experiência histórica, possui interesses conflitantes, como uma política pública de respeito à cultura, a recuperação de áreas subtraídas, a demarcação e preservação dessas áreas de existência das populações indígenas do Brasil” Justificou.

Crise Na semana passada, a ministra Gleisi Hoffmann, voltou a defender que outros órgãos do governo além da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) participem do processo de demarcação de terras indígenas.

 Atualmente, o decreto que trata do tema diz que a FUNAI pode solicitar a ajuda de outros órgãos públicos, mas o governo quer tornar obrigatório ouvir também as pastas que tratam do tema agrário e deve regulamentar essa mudanças até o fim desse semestre. 

Também na semana passada, em meio à maior crise indígena do governo Dilma Rousseff, a presidente da FUNAI, Marta Azevedo, deixou o cargo alegando problemas de saúde. Marta pediu para sair após conflitos entre índios terena e fazendeiros no Mato Grosso do Sul, mas também após uma série de posições tomadas pelo Planalto que explicitaram o tom da política indigenista que o governo quer adotar. 

O governo também passou a levar em consideração um relatório produzido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que indica que terras no Paraná, que a Funai pretende ver demarcadas não são ocupadas por índios. A questão diz respeito diretamente à ministra Gleisi Hoffmann que é do Estado e que pretende se candidatar no próximo ano ao governo do Paraná.

 “Quando a Ministra Gleisi Hoffmann propõe a influência da Embrapa para discutir o papel da FUNAI, nós estamos voltando a esse passado. Nós não precisamos, pelas histórias que são levantadas, de uma posição que junte os antagônicos para decidir sobre os indígenas”, declarou Zelic. 

Na quinta-feira, índios mundurukus se uniram para protestar no Palácio do Planalto contra diversos projetos do governo para a construção de usinas hidrelétricas na Bacia do Rio Tapajós, no Pará e no Mato Grosso. Os índios queriam ser recebidos por Dilma e recusaram uma carta enviadas a eles pela Secretaria-Geral da Presidência da República, designada para resolver o problema. Nesta semana, eles ocupam a sede da FUNAI.


Fonte: http://www.jovensindigenas.org.br/publicacoes/relatorio-mostra-que-conflito-de-terras-indigenas-no-ms-remonta-aos-anos-1950

A importância de decidir

Nossa vida é feita de decisões. Todos os dias, o dia todo, temos que tomar pequenas e grandes decisões sobre a nossa vida. A que horas acordar, que roupa vestir, no que pensar, qual trabalho priorizar, terminar a tarefa que estamos fazendo… São centenas de decisões que tomamos (incluindo as que não tomamos, pois não fazer nada também é uma decisão).

Com tantas opções e possibilidades diante de nós, a qualidade de nossa vida depende da rapidez e da qualidade de nossas decisões. Sobre isso, deixe-me compartilhar uma descoberta com você.

Procurando a origem palavra “decisão” me deparei com algo muito interessante. “Decidir” significa “cortar fora”, eliminar as outras possibilidades, e fazê-lo de pronto, sem hesitação*. Você já deve conhecer a palavra “cisão”, que quer dizer “corte”. Pois bem. Uma “de-cisão” quer dizer “corta fora”.

Isso nos ajuda a entender melhor o processo de tomar uma decisão. Envolve focar em uma coisa que devemos fazer, cortar fora rápido as outras opções, e agir. Portanto, nada de dúvida, hesitação, ficar demorando a fazer a escolha, nem ficar com dó de eliminar as outras alternativas. Para decidir, você tem que perder algo, deixar algo de fora.

Decidir exige coragem, não ter medo de perder. Essa coragem é impulsionada pela certeza de que a escolha feita ultrapassará a perda das outras opções.

A alternativa é não decidir — não cortar nada fora, tentar abraçar o mundo e acabar não realizando nada. Mas isso também é uma decisão…

Então, já que você vai decidir alguma coisa, querendo ou não, por que não tomar a mais correta, apropriada e inteligente?


* Do Latim DECIDERE, “determinar, definir, decidir”, formado por DE-, “fora”, + CAEDERE, “cortar”. Muitas vezes uma decisão implica em cortar fora uma das possibilidades.

domingo, 24 de julho de 2016

Qual é a diferença entre esbulho e turbação?

Dica: TURBAÇÃO = PerTURBAÇÃO

Segundo Silvio de Salvo Venosa, o “esbulho existe quando o possuidor fica injustamente privado da posse. Não é necessário que o desapossamento decorra de violência. Nesse caso, o possuidor está totalmente despojado do poder de exercício de fato sobre a coisa. 

Existe esbulho, por exemplo, por parte do comodatário, quando, findo o contrato de empréstimo, o bem não é devolvido.” Em contrapartida, tratando-se de ofensa média à posse em que o titular da propriedade tem o exercício de sua posse prejudicado, embora não totalmente suprimido, não se configurará o esbulho, mas turbação da posse. “Os atos turbativos podem ser positivos, como a invasão de parte de imóvel, ou negativos, como impedir que o possuidor se utilize da porta ou do caminho de ingresso em seu imóvel.” 

A medida judicial competente para sanar a Dica: TURBAÇÃO = PerTURBAÇÃO é a Ação de Manutenção de Posse. “Na ação de manutenção, de acordo com o art. 927 do CPC, o autor deve provar sua posse, a turbação e a data de seu início e a continuação da posse, embora turbada.” 

Tratando-se de esbulho a medida competente será a Ação de Reintegração de Posse. “Além de sua posse, o autor deve provar o esbulho, a data de seu início e a perda da posse. O objetivo do pedido é a restituição da coisa a seu possuidor ou seu valor, se ela não mais existir.” Em adição, importa registrar que, para que se caracterize o esbulho, não é necessário que o proprietário/possuidor fique privado do uso da totalidade da propriedade, basta que esteja totalmente impedido do uso de parte da propriedade. 

Um exemplo clássico de esbulho se vislumbra nos casos em que vizinho, de propriedade rural, ocupa parcela da propriedade alheia com suas plantações e produções agrícolas. Note que, nesse cenário, a propriedade vizinha não está totalmente ocupada, mas a parcela onde se plantou sim, impedindo que o proprietário faça uso de referido espaço - caracterizando-se o esbulho possessório. 

Já a turbação se traduz em um incômodo no exercício da posse. Exemplo muito comum de turbação é elucidado pelas hipóteses em que vizinho de propriedade rural se utiliza, sem autorização do proprietário, de passagem da propriedade para fazer transitar maquinário agrícola e pessoal. Veja que, nesse caso, o uso da mencionada passagem pelo proprietário, a princípio, não estará obstado, havendo, tão somente, incômodo em razão do trânsito de pessoal estranho e equipamentos no interior de sua propriedade.  


VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais – 11. Ed. – São Paulo: Atlas, 2011, págs. 153 e 154.

Ainda:

"O esbulho possessório é ato ilícito civil e penal (crime de usurpação, previsto nos incisos I e II do art. 161 do CP), praticado por terceiro em detrimento da posse de outrem, que resulta no perdimento (absoluto ou relativo) do poder de fato, invertendo-se a titularidade da relação possessória, passando o esbulhador a ter injustamente (posse ilegítima) o uso e a disponibilidade econômica do bem respectivo. 

Em outras palavras, é ato eficiente capaz de impedir o possuidor de prosseguir na sua normal relação fáctico-potestativa, retirando o bem da esfera de seu poder e tornando-o disponível ao autor do esbulho ou a terceiros. 

Em suma, o esbulho é qualquer ato (ilícito) de molestamento que acarrete ao possuidor, injustamente, a perda da posse, correspondente à privação total ou parcial do poder de fato socioeconômico de utilização e disponibilidade.   (...) 

 Na distinção entre esbulho e turbação, o intérprete não deverá valorar a abstrata correspondência dos atos lesivos à noção de moléstia; deve, sim, passar à análise dos verdadeiros impedimentos da função social assinalada ao poder de fato sobre o bem da vida, dentro da relação possessória. Somente comportamentos que determinem uma desfuncionalização do poder de fato, além da normal tolerabilidade, merecem ser reprimidos por meio das ações possessórias. 

O esbulho significa a perda (total ou parcial) da posse; a turbação, a prática de atos de molestamento.  A turbação é todo ato ilícito de moléstia à posse, diverso do esbulho, não compreendendo, portanto, qualquer situação fática de perda do poder de Ingerência sobre o bem. Contudo, para sua caracterização faz-se mister a existência de uma lesão à posse, não sendo suficiente a turbação simples ou a mera intenção de turbar; imprescindível toma-se o agravamento qualitativo ou quantitativo da situação possessória causada pela moléstia." 


REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA (Coord.). Código Civil comentado. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 608-609.

Fonte: http://www.perguntedireito.com.br/744/qual-e-a-diferenca-entre-esbulho-e-turbacao

sábado, 23 de julho de 2016

Para compreender os conflitos entre fazendeiros e indígenas em MS (Parte I)

Por Jorge Eremites e Paulo Esselin (*)

Há muito os problemas que atingem os povos indígenas em Mato Grosso do Sul ganharam manchete na imprensa regional, nacional e internacional. Todos os anos índios são mortos e nada é feito de objetivo para mudar a realidade. Autoridades eleitas pelo povo, como vereadores, deputados estaduais, deputados federais, senadores, prefeitos e governador, mandato após mandato e salvo honrosas exceções, simplificam o problema. Ao fazerem isso, rechaçam o enfrentamento da questão fundiária, causa maior dos conflitos entre fazendeiros e comunidades indígenas.

Além disso, não raramente recorrem ao argumento de culpar instituições alhures pelo etnocídio ou genocídio cultural em andamento no estado: Supremo Tribunal Federal, Governo Federal, Ministério da Justiça, ONGs, Presidência da República, Conselho Indigenista Missionário, Ministério Público Federal, forças alienígenas que desejariam se apoderar do Aquífero Guarani etc. Repetidas vezes, de maneira costumeira, utilizam de sofismas dos mais variados para distorcer a realidade e formar opinião pública contrária à regularização das terras indígenas no país.

Ao fazerem isso, essas autoridades se isentam de quaisquer responsabilidades, terceirizam o problema e lavam as mãos. Afirmam que é a União, e basicamente ela, que pode e deve solucionar os conflitos pela posse da terra, desde que assim o faça a favor dos fazendeiros, aqueles que possuem títulos de propriedade privada da terra e por vezes financiam campanhas eleitorais e projetos de poder.

A questão fundiária, por sua vez, é um problema muito antigo e suas origens remontam aos séculos 18, 19 e 20, quando se deu a origem da propriedade privada da terra na região. Com o final da chamada Guerra do Paraguai (1864-1870), o antigo sul de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul, passou a ser mais rapidamente colonizado por migrantes oriundos de outras partes do Brasil, além de imigrantes vindos de além-mar e paízes vizinhos. Desde então o espaço regional se configurou como palco de muitos conflitos pela posse da terra, especialmente quando comunidades indígenas tiveram seus territórios invadidos por fazendeiros e militares desmobilizados do exército imperial. A documentação oficial da época, como os relatórios da Diretória dos Índios da Província de Mato Grosso, comprova a situação. Contudo, sem os povos originários esta parte da bacia platina não estaria incorporada ao território nacional.

Foi graças às alianças com os indígenas, feitas desde o século 18, que Portugal estabeleceu sua hegemonia na porção central da América do Sul. Posteriormente, quando o Brasil tornou-se Estado-nação, as alianças permaneceram durante o período imperial. Exemplo disso foi o protagonismo que os indígenas tiveram na defesa do território nacional durante a Guerra do Paraguai. Autores renomados como o Visconde de Taunay, apenas para citar um exemplo, extenderam-se sobre o assunto e teceram elogios à participação dos Terena, Kinikinao, Kadiwéu, Guató e outros povos que, sozinhos ou ao lado do exército imperial, combateram as tropas invasoras do Paraguai na década de 1860.

Com o fim do conflito bélico platino houve a expansão da fronteira pastoril e, consequentemente, o aumento da titulação dolosa de territórios indígenas a favor de terceiros. A partir de então os povos originários passaram a ter suas terras usurpadas e via de regra não tinham a quem recorrer. Esta é uma das marcas colonialistas da formação do Estado Brasileiro e da propriedade privada da terra em Mato Grosso do Sul.

Neste contexto foi ainda imposto aos Guarani, Kaiowá, Terena e outros indígenas uma forma perversa de exploração da força de trabalho, análoga à escravidão moderna, baseada no conhecido sistema do barracão. Durante a primeira metade do século 20, muitos fazendeiros tinham transformado milhares de indígenas na principal mão-de-obra a ser explorada nas propriedades rurais que eram organizadas no antigo sul de Mato Grosso. Esta situação é verificada na fronteira com o Paraguai e a Bolívia, na Serra de Maracaju e em praticamente todo o estado.

Milhares de indígenas passaram a trabalhar na condição de vaqueiros e em outras atividades econômicas, tais como: lavoura, colheita e preparo da erva-mate, exploração de ipecacuanha, transporte fluvial etc. Muitas mulheres foram ainda “pegas a laço”, violentadas e forçadas a se casar com não-índios, história esta presente na memória de muitos dos antigos (sul) mato-grossenses. Apesar disso tudo, os índios pouco usufruiram das riquezas que produziram e passaram a viver em situações cada vez mais difíceis, sobremaneira quando suas roças foram invadidas pelo gado e os fazendeiros mandaram derrubar as matas existentes em seus territórios. Depois de formadas as propriedades rurais, especiamente entre os anos de 1950 a 1970, a mão-de-obra indígena foi dispensada de muitas fazendas.

Neste contexto histórico, marcado pela expansão do agronegócio no Centro-Oeste, dezenas de comunidades indígenas, as quais ainda conseguiam viver no fundo das fazendas, foram expulsas das terras de ocupação tradicional. Este processo de esbulho foi concluído na década de 1980.

No começo do século 20, Cândido Mariano da Silva Rondon, posteriormente conhecido como Marechal Rondon, à frente da Comissão de Linhas Telegráficas do Estado de Mato Grosso, deixou registrado os ataques que fazendeiros desfechavam contra os indígenas, como ocorria na bacia do rio Taboco. Em suas palavras: “[...] eivados da falsa noção de que o índio deve ser tratado e exterminado como uma fera contra o qual devem fazer convergir todas as suas armas de guerra, os fazendeiros ao invés de reconciliarem-se com os silvícolas trucidavam homens, mulheres e crianças e aprisionando os que não havia logrado fugir”.

Segundo Rondon, não contentes com os assassinatos, alguns fazendeiros “abriam os ventres de índias que se achavam em adiantado estado de gravidez”. Ações desta natureza são definidas como etnocídio e persistem, com outras roupagens, até o tempo presente. Por isso em Mato Grosso do Sul os indígenas são percebidos por muitos como não-humanos, chamados pejorativamente de “bugres”.

Dessa forma, no âmbito da constituição do Estado Brasileiro e da formação da sociedade nacional, foram registradas sucessivas tentativas de exploração, dominação e até extermínio contra os povos indígenas. À medida que se estabeleceram na região, fazendeiros incorporaram territórios indígenas ao seu patrimônio. Muitos conseguiram isso requerendo junto às autoridades estaduais, sem muitas dificuldades e por meio pouco ortodoxos, títulos de propriedade privada da terra. Muitas áreas atingiam um tamanho tal que era demarcada vagamente em função da particularidade geográfica de cada região: córregos, rios, morros etc. Embora tivessem logrado a titularidade de vastas extensões, frequentemente não tomaram posse imediata das terras, onde comunidades indígenas conseguiram permanecer, de maneira mansa e pacífica, por décadas sem grandes infortúnios.

À frente desses fazendeiros emergiu um grupo de proprietários de terra que se enriqueceu ao longo dos anos e, aproveitando-se da influência que tinham nos governos municipais, estadual e federal, ganhou poderes sobre pessoas e coisas. Mais ainda, promoveu todo tipo de violação dos direitos elementares dos povos indígenas. Constituiu-se, assim, uma elite ruralista com muita influência nos poderes constituídos na República, isto é, no próprio Estado Brasileiro. Seus feitos são enaltecidos por uma historiografia colonialista, geralmente financiada com dinheiro público, ligada à construção de uma história oficial e de uma identidade sul-mato-grossense, geralmente em oposição à de Mato Grosso, particularmente de Cuiabá.

Assim, no tempo presente observamos mais uma situação de conflitos entre ruralistas e comunidades Guarani, Kaiowá e Terena. O resultado disso foi mais um indígena assassinado durante a retomada de uma área oficialmente declarada como terra indígena, chamada Ñande Ru Marangatu, localizada no município de Antônio João, na fronteira com o Paraguai. Sobre o assunto, até o momento nenhuma autoridade esclareceu de onde veio o tiro que no dia 29 de agosto de 2015 ceifou a vida do Kaiowá Simeão Fernandes Vilhalba, 24 anos. A julgar pelo histórico do assassinato de indígenas no estado, como aconteceu com Nelson Franco (1952) e Marçal de Souza (1983), este será mais um caso em que os criminosos permanecerão impunes.

As autoridades máximas estaduais, com destaque para o governador do estado, em tese teriam a obrigação de contribuir positivamente para a elucidação dos fatos e repressão a todo tipo de violência armada contra povos originários. Trata-se de uma responsabilidade inerente ao cargo para o qual foram eleitos e em defesa do Estado Democrático de Direito, cujo conceito não se limita à defesa da propriedade privada da terra e da classe social à qual pertencem. Todavia, uma conduta desse tipo é incompatível com o protagonismo que certas autoridades tiveram no chamado Leilão da Resistência, ação planejada e executada por ruralistas para arrecadar fundos e financiar ações contra a retomada de terras indígenas, com a contratação de milícias armadas, tal qual noticiado pela imprensa desde 2013.

Por isso em Mato Grosso do Sul há uma situação peculiar da qual parte da população do estado não sente orgulho: quem não é fazendeiro, será tratado como boi bagual e, portanto, como não-humano ou animal selvagem, sobretudo os povos originários, comunidades tradicionais e segmentos de classes sociais em situação de vulnerabilidade social.



(*) Jorge Eremites de Oliveira é doutor em História (Arqueologia) pela PUCRS e docente da Universidade Federal de Pelotas e Paulo Marcos Esselin é doutor em História (História Ibero-Americana) pela PUCRS e docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.



"Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania,
Depende de quando e como você me vê passar."

Clarice Lispector